sábado, 23 de março de 2013

Sobriedade e dificuldade pra escrever



Estava sóbrio faziam dois longos meses. Não que eu não bebesse minha brejinha de final de semana, mas eu já não era nem sombra daquele bêbado drogado que estragava tudo o que fazia, que convivia com cheiro de alcool e vômito no quarto, ia pras noitadas e fazia sexo sem compromisso com mulheres feias o suficiente para esfolarem a cara na brita de vergonha, sempre chapado, que destruia todas as amizades, destruia tudo o que construia, se perdia nas noites, tinha alucinações. Estava indo bem no trabalho, meus chefes diziam que eu seria promovido, ganharia cerca de 2 mil a mais, estava me acostumando com a ideia de estar sóbrio, de ver as coisas como são de verdade "me tornei tudo aquilo que eu sempre critiquei... tudo que eu sempre disse que era um lixo", pensava, concordava. Sim, havia me tornado um dos bons moços. Muitos dos meus amigos que se drogavam e bebiam haviam se afastado, isso me deixava triste. Eu sabia que todo mundo que se afunda em droga e alcool busca encontrar a luz, busca sair do inferno, e sei que eles queriam sair, talvez morressem cedo, e eu chorasse no enterro, mas eu não podia fazer nada por eles, isso dependia deles né? E assim eu seguia minha vidinha pacata de forma bem honesta, trabalhando durante a semana e tomando umas brejinhas aos sábados e domingos, coisa beeeem leve mesmo.

Mas algo ainda me incomodava. Minha grande paixão, minha escrita, estava claramente prejudicada "caralho, simplesmente não sai merda nenhuma quando estou sóbrio! Que porra mano!" E eu sabia o porque não saia nada. Eu era um escritor sujo, escrevia de bebidas, mulheres bêbadas e noitadas. Uma vez que não fazia mais isso, a inspiração tinha ido embora, assim como uma mulher vai sempre embora, sempre que você muda uma mulher vai embora, ela sempre te fode, e isso que a escrita fez comigo, eu mudei, ela me pegou pelos culhões, deu uma bela rasgada. Estava naquele momento com uma crise de identidade tremenda "ou eu volto a beber e me drogar, ou preciso de alguma outra ideia de como ser, de como me portar", eu sabia que não podia me drogar mais, e beber só de leve, aquilo quase me matou uma vez, não poderia acontecer de novo...

Estava morando ali na Augusta, mas do lado Jardins. Fazia um dia frio naquele sábado a tarde, e desde que parei com essa vida transviada, os amigos eram cada vez mais escassos, portanto passava muito tempo sozinho. Tentei escrever um pouco, mas não saia nada. "Caralho, caralho, caralho! Se fuder!" Saí possesso, fui rumo à Alameda Santos. A uns 10 minutos de casa ficava uma tabacaria que eu gostava de frequentar. Cheguei e fui direto ao ponto.

- Carlos, e aí, como cê tá? - me perguntou Fábio, o especialista em charutos da loja.
- Bem Fábio, e você?
- Também, também... E aí, o que vai ser hoje?

Olhei bem os charutos, com muita calma... Resolvi que ia no preferido do meu melhor amigo, o Luis, que aliás, havia se afastado também, mesmo sendo um cara caretão.

- Fábio, vou de Don Diego número 2, e um cafezinho por favor.
- Claro, vou providenciar. - ele me disse de forma solícita.

Me sentei em uma das mesas do lado de fora, acendi meu charuto. Dei uma fitada no local, olhei àqueles empresários, senhores já velhos, bem sucedidos "hahaha e eu aqui, com 23 anos nas costas, já separado de um casamento há 3, e já tendo usado quase todas as drogas possíveis..." o contraste era grande, mas nada que me atrapalhasse. Meu café chegou, abri Temporadas no Inferno do Rimbaud, era um livro que eu gostava de ler para buscar inspiração. Havia um trecho que eu sempre me identificava.

"Bebi um enorme gole de veneno. — Bendito seja três vezes o conselho que me deram! As entranhas me queimam. A violência do veneno contorce meus membros, me torna disforme, me derruba. Morro de sede, sufoco, não posso gritar. É o inferno, a pena eterna! Vede como o fogo sobe! Queimo, como sói. Vamos, demônio!"

Eu puxava aquele charuto com força, sentia o gosto do tabaco na minha alma, e, enquanto lia Rimbaud, sentia a tristeza daquele jovem atormentado chegar no meu âmago. Aquela tarde estava se tornando ainda mais fria!

Zaratustra

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