domingo, 31 de março de 2013

O relógio e a maldita noite sóbria



O relógio prosseguia com o seu infortuno tic-tac e marcava exatamente 0h04. Estava ainda sem sono, foi um daqueles raros sábados em que eu não havia bebido ainda. Estava sóbrio fazia um tempo, mas geralmente aos sábados eu bebericava umas brejinhas em casa, ou num barzinho qualquer. Mas naquele sábado eu não tinha tido a chance, portanto estava na caretice monstra.

Mas essa sobriedade toda estava me fodendo mesmo, eu já não aguentava mais. Isso porque eu ainda bebia brejas e whisky, mas só aos fins de semana, mas até aí de boa, a questão era a vodka. Em anos e anos de bebedeira eu havia desenvolvido uma relação com a vodka que era descomunal, dependia muito dela. Eu nunca tinha ficado tão mal, tão triste, nem com as famosas decepções amorosas que fodem e rasgam os culhões. Percebi que a bebida, pelo menos pra mim, era mais importante do que as pessoas, pois as pessoas te usam, traem, manipulam e te deixam sozinho nas horas difíceis, a bebida não, ela estava sempre ali, nas horas boas pra comemorar, nas ruins pra esquecer e quando nada acontecia ela ajudava a acontecer algo (parafraseando o gênio Buk). As semanas prosseguiam de forma lenta e abstênia, eu ficava desesperado, os dias não passavam e me sentia realmente preso àquela merda.

Nesse tempo sóbrio, houveram vários dias em que arquitetei um suícidio, "preciso de uma morte rápida, indolor e que seja fácil de fazer..." e caçava tutoriais na internet (sim, existem!), além de ficar pensando e maquinando ideias novas. Perdia um bom tempo nisso, mas a minha tristeza abstênia me ajudava a entender que aquilo se fazia necessário, todo aquele empenho em suicídio era algo importante. Mas não tinha ainda os culhões pra realmente "fazer" isso, mas era paciente e sabia que na hora certa eu terminaria com tudo.

O maldito tic tac insista em deixar minha noite pior "Vou tirar a pilha dessa porra de relógio", mas desisti, olhei e marcava 0h32. Meu telefone tocou quando o ponteiro foi pra 0h33. Era o Augusto, um dos meus amigos que ainda estavam na vida doida de vodka e drogas.

- CARALHOOOOO CARLOS! BELEZA? - ele gritou.
- BELEZA PORRRRRAAAAA! E VOCÊ? - retruquei o grito.
- De bouas cara. Seguinte: você, Augusta, agora! Tenho esquema e estamos bebendo vodka pra caralho.

Eu olhei pro maldito relógio, respirei, pensei numa fração de segundos em ir, mas estava tentando ser melhor, estava tentando não ser nem sombra daquele bêbado que fodia tudo o que encostava, que cheirava a alcool pelas manhãs no trem lotado e tinha bafo de merda de cachorro. Resolvi não ir.

- Ahhh cara, nem vai dar... Já tava pra dormir aqui man, fica pra próxima! - tive que mentir na cara dura.
- Caralho... Porra Carlos, vamo aí mano! Saí dessa porra de cama! - ele parecia irritado com a minha negativa.

Lembrei de uma música do Racionais, pensei que o Diabo realmente fica na nossa orelha, ele tenta a gente, faz de tudo pra nos fodermos.

Você fuma o que vem
Entope o nariz
Bebe tudo o que vê
Faça o diabo feliz

Respirei fundo de novo, fui firme com as minhas palavras.

- Não. Dá. Mano! Fica pra uma próxima! - fui meio ríspido.
- Cê que sabe... Vai perder um rolê monstro...
- Suave... Valeu e abraços - respondi já desligando pra evitar qualquer coisa.

Fiquei quieto por um instante... "Caralho, eu sou um dependente, sou um alcoolatra" Assumi isso para mim mesmo naquele momento. Isso era muito difícil, mas era necessário. Para sair do buraco temos que olhar pros lados e falar "Sim, estamos no fundo do poço!", e ufa, naquele momento tinha feito isso, assumido meu problema.

Bom, era um maldito sábado, eu me permitia beber naquele dia, ao menos umas brejas, não dava, isso NEM FODENDO, pra cortar o alcool totalmente da minha vida! Isso era impossível, por isso me permitia beber brejas, que são mais suaves do que vodka e não me davam apagão, ficava no máximo tonto, mas de boa, sem foder tudo... Fui na geladeira, peguei uma breja, era Antartica Sub-Zero "hahaha nem o Scorpion toma essa merda" eu era mesmo um alcoolatra, pra beber aquele lixo lá, só sendo um alcoolatra mesmo, mas era o que meu pai havia comprado e eu não tinha como sair às 0h47 pra comprar brejas.

Sentei na mesa, comecei a ler um pouco, era um livro sobre a vida do Gorbatchov, muito bom, explicava todo o socialismo, tinha muito da história da URSS naquele homem. Estava bem entretido até, mas estava com dificuldades de concentração. Sim! Era aquele maldito relógio que fazia tic-tac o tempo todo, e que nesse momento marcava 1h03. Pensei em tirar as pilhas do relógio, mas desisti de novo. Resolvi desistir de ler (são muitas desistências, que caralho!), já estava indo pra segunda latinha de breja e logo logo não ia conseguir ler de qualquer forma. Perambulei um pouco pela net, pesquisava formas de me matar e via fotos de gatinhos fofos, um belo constraste pra uma maldita noite de sábado em casa e sóbrio (breja é muito fraca pra ser considerada como alcool né?). Resolvi jogar um pouco de video-game quando estava já na minha quarta lata de breja, futebol, coisa leve.

Quando eu larguei o video-game, estava na sexta ou na sétima lata e ainda praguejava o maldito relógio que batia na minha cabeça com seu TIC-TAC... TIC-TAC... TIC-TAC... e que agora parecia ainda mais alto por algum motivo (talvez pelas brejas), mas que apesar de tudo ainda me dava as horas com precisão e marcava 2h22 "três patinhos na lagoa hahaha" tive um pensamento idiota, mas fiquei surpreso e vi que já estava tarde. Voltei pra internet, meu amigo Luis, estava por lá também. Ele estava também em "processo de limpeza", mas o problema maior dele era cocaína mesmo, mas até que ele estava indo bem, um mês limpo.

- Vai dormir mano! - eu lhe disse.
- Vai você caralho! hahaha
- Não consigo mano, tô pensando em bebida e isso tá me fodendo!
- Caralho, não achava que tava nesse nível - ele parecia bem espantado.
- Eu sei mano, tô pensando em suicídio pra porra, e isso é foda demais.
- Sério cara, cê tem que procurar ajuda... Eu tô sóbrio, mas por enquanto estou sussa, mas seu caso é muito pior do que o meu.
- Eu sei - assumi e bebi mais um gole da sétima lata de breja - até vou em psicólogo mas mesmo assim tá difícil.
- Se interna, vai no AA, sei lá, mas cê precisa arrumar isso.
- Beleza, vou pensar... Mas valeu pela conversa mano, ajudou muito. Vou tentar dormir. Abraços.

Desliguei o computador, me sentei à mesa, não via TV, só bebia minha breja e pensava "AA e se internar parecem ser ideias muito radicais, ainda acho que dá pra sair sem isso" bebericava a breja e pensava sozinho. Quando abri a oitava lata o maldito relógio ainda batia e marcava agora 2h37. Virei aquela oitava breja em questão de uns 2 minutos, isso, certeza que foram 2 minutos, pois quando olhei o relógio ele marcava 2h39 e ainda fazia o seu maldito TIC-TAC... TIC-TAC... TIC-TAC... infernal que parecia me foder ainda mais. Não bastava a sobriedade, ainda tinha aquele relógio. Tomei coragem, me levantei, mijei toda aquela breja, lavei as mãos, tirei AS MALDITAS PILHAS DO MALDITO RELÓGIO e finalmente a paz voltou a imperar naquela sala em forma de silêncio. Me deitei na cama e dormi tranquilamente, mesmo ainda sóbrio.

Zaratustra

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