quarta-feira, 30 de abril de 2014

O que não deveria ser publicado #4



- Parabéns Carlos, você está oficialmente contratado – a moça do RH me disse, com aquele sorriso amarelo nos lábios, me estendendo a mão direita após checar minha documentação.
- Obrigado! – eu disse, estendi a mão e apertei a dela, também, com um sorriso, só que mais sincero do que o dela.
- A gente te liga pra te dizer o dia que você vai começar... Falta só um documento da presidência. Mas deve ser em breve.
- Tudo bem. A minha parte está ok?
- Está sim, pode ficar tranqüilo.
- Tudo bem, obrigado – eu disse já me levantando.

Saí pela porta da frente daquela grande empresa de publicidade. Eu estava contratado, eu iria ganhar uma boa grana, eu iria trabalhar com aquilo que eu gosto. E seria fixo. As chances de que eu me aposentasse lá seriam grandes. Saí de lá um pouco indiferente. Mandei mensagem para meu pai e minha namorada avisando da novidade. Eles pareciam mais empolgados do que eu com a notícia. O que havia de errado comigo?

Peguei o trem, e pra seguir a tradição, parei no boteco mais sujo pra tomar duas cervejas. Sempre que eu arrumava um emprego foda, eu parava em algum boteco bem sujo e bebia duas cervejas, da mais barata. Parei em um bem legal. Havia os velhinhos jogando a dinheiro, uma máquina caça níquel, atendentes totalmente relaxados, moscas e ainda pra completar vi uma simpática barata no chão. Comecei a beber, desliguei a música e o celular. Era a minha tradição. Pensar, isso, pensar no que viria dali em diante. Bebendo. tremi a manhã inteira, mas depois que tudo foi resolvido pude beber, finalmente. As tremedeiras passaram. Me senti bem. Olhava o movimento na rua e bebia de forma despretensiosa. Um bom boteco sujo e solidão sempre me ajudam. Eu tentava entender alguns pontos da minha vida. Servi mais um copo e comecei a pensar.

2.

Não entendia o porquê eu não estava feliz com aquilo. Porra, eu ganharia uma boa grana, eu teria dinheiro fixo, poderia pensar em planos, em drinks mais caros, charutos, cigarrilhas, finalmente, finalmente eu teria tudo isso. Eu nunca entendi os motivos de eu não me animar com as coisas. Lembro de uma conversa que eu tive com meu terapeuta, faz mais ou menos um ano, eu acabara de ser promovido no meu antigo trabalho. Foi exatamente desse jeito.

- Porra Carlos, você foi promovido, você nem liga pra isso né? – ele me disse.
- Sim, não sei o motivo. O protocolo diz que eu tenho que ficar feliz com essas coisas. Mas sei lá, simplesmente não acontece.
- Eu sei o motivo – ele disse, dando risada e me olhando fixamente.
- Porra, então me diga.
- Carlos, sem falsa modéstia, isso pra você é fácil e previsível demais. Você sabe que um dia pode dirigir uma ação de marketing. Você sabe que o seu futuro vai ser fantástico, você sente que vai ser o foda, e quando as coisas vão acontecendo, seu subconsciente só te fala “legal isso, mas eu já sabia que isso iria acontecer”. Por exemplo, você falava que transou com Letícia, e isso te empolgou por uma semana.
- Exato. Porque todo mundo queria comer ela, mas eu comi. E isso pra mim parecia impossível.
- Sim, e seu subconsciente não sabia disso. Mas quanto a promoções, ele sabe que você vai ser genial. Você sempre foi o mais inteligente da sua escola, passou pela faculdade de forma sensacional, e na sua vida profissional, você tem sempre sucesso. Não existe nada de fracassado em você. Tudo o que está acontecendo é mera conseqüência do tempo.


Eu não queria concordar. Neguinho adora dizer que sou arrogante, que me acho demais. Juro, tento não me achar, tento ser humilde. Mas a minha questão é simples. Eu alio inteligência com velocidade e perfeccionismo. As pessoas geralmente têm uma dessas três características, e eu tenho as três. Sempre faço os três juntos. Sou o Chuck Norris da publicidade (não que eu seja o foda, só que eu não tenho medo de trabalho nenhum, inclusive deste de agora, que vai me pagar bem e será fixo, mesmo com uma pressão enorme nas minhas costas), eu estou acostumado com pressões maiores. Aos 16, arrumei uma casa pra minha namorada. Aos 18 eu casei. Sempre fui o mais novo em todas as funções em que trabalhei. Sempre as pessoas que tinham o mesmo cargo que eu eram ao menos 3 anos mais velhas. E eu sempre acabei sendo mais reconhecido do que elas. Isso gerou inveja por vezes, tentaram puxar meu tapete, mas meu trabalho era sempre impecável. Sempre perfeito e dentro do prazo. Eu tinha acabado de completar 21 quando me formei em Publicidade. Era o mais novo da sala. Parece que um futuro próspero é a simples conseqüência do tempo. Eu posso ser rico se quiser, posso ser milionário. Posso ter carros importados e casas na praia. Meu subconsciente deve estar pensando nesse momento “Você vai ser promovido logo logo”, mas eu não. Mesmo assim eu não consigo ficar feliz. Nem com empregos, nem com pessoas, nem com nada. Parece que sempre atinjo o topo das coisas rápido demais. Foi assim com as mulheres. Bastou alguns meses de estudo e eu poderia pegar qualquer mulher que eu quisesse. E por isso parei com esse “jogo da sedução”, me cansou, foi fácil demais. Na época da Letícia, eu não sabia sobre o jogo, e comer ela foi uma vitória sobre outros mil caras que queriam comer ela. Eu fui um entre mil. E isso me fez entusiasmado por uma semana. Depois me pareceu simples. Caralho, o que havia de errado comigo? Eu teria que buscar coisas novas, desafios ainda mais difíceis. Mas o que? Eu não sabia, e por isso naquela tarde em que as pessoas me davam os parabéns, eu bebia sozinho e pensava em qualquer outra coisa, menos no meu futuro trabalho.

Carlos Reis

terça-feira, 29 de abril de 2014

Persianas




Percepção na simples essência da palavra arte acaba sendo algo muito aleatório
A arte e a cultura já não dão mais as mãos faz muito tempo, desde os imortais
Seu entendimento de moral é completamente construído por pessoas que você nem conhece
(e que nunca vai conhecer)
E por isso que as massas ainda nadam a favor da correnteza, não contra ela
Massas partidárias, manipuladas, presas do lado de dentro de uma matrix estúpida
Respirando o mesmo oxigênio que lhes dão desde seus ancestrais burgueses
Comprando carros, casas, indo a protestos. Pessoas estúpidas, sem conhecimento algum
(assim como eu, completos ignorantes)
Mas ao menos eu não sigo o lado que as massas seguem, o meu conceito de beleza está fora de padrão pra eles
Meu conceito de felicidade, de alegria, de certo, errado, bem e mal
Me reservo por um momento a abraçar a minha ignorância de forma completamente egoísta
Sem me importar se estarei certo ou errado, apenas abrindo as persianas de leve
E vendo o sol cegando meu rosto no seu feixe de luz mais sagrado e imoral
O tempo é irreversível, parem de perder tempo com intelectualidades bestas e imbecis
Parem de perder tempo com debates políticos e filosóficos, com religião, com planos
Percam seu tempo com o presente, porque o passado não vai voltar e o futuro ainda não aconteceu


Aí sim, a partir deste momento, levantem as persianas e contemplem na sua forma mais natural a essência da palavra vida

Carlos Reis

sábado, 26 de abril de 2014

Canalha ao quadrado




Eu prosseguia com meus problemas financeiros, mas ainda assim eu era um bom sujeito. Dinheiro não é tudo, ao menos eu achava isso, e esperava que as pessoas achassem isso também. Eu sei, eu sei, as vadias jamais veriam dessa forma, mas tudo bem. Apesar de endividado, eu ainda ganhava uns trocos com meus textos (sim, eu sabia que ele só fazia sucesso entre drogados, alcoólatras e malucos, mas quem não é ao menos uma dessas opções hoje em dia?), e com esses trocos, eu por vezes saia pra uma grande noite de bebedeira. Sempre sozinho. Quando se tem dinheiro, seus amigos se multiplicam por quatro. Quando se está duro, eles se dividem por oito. E minha realidade era essa. Todos haviam sumido, de uma hora pra outra. De qualquer forma, eu havia ganhado uma grana com um texto. Essa grana, eu apostei no poker, e fiz ainda mais dinheiro. Eu tinha mais sorte com cartas do que com pessoas.

Por volta das 19h, coloquei uma roupa limpa. Nada muito exagerado. Jeans, camiseta e tênis, vestuário básico de qualquer jovem com 20 e poucos anos. E frustrado. Com muitas notas de cem no bolso, saí. Não sabia exatamente aonde iria naquela noite. Tudo o que eu tinha era dinheiro, ódio das pessoas e vontade de destruir coisas e sonhos.

Cheguei num belo boteco na região da Santa Cecília. Tocava boa música. Alice in Chains. Os drinks eram baratos. Se comprava uma dose de Balalaika por quatro reais, ou uma garrafa de Itaipava por cinco, ou ainda, uma dose de Contini por três. Eu estava “sem escorpião no bolso”, como dizem, e resolvi pedir logo os três de uma vez. Misturei o Contini na Balalaika e fiz um drink. A garrafa de cerveja estava ali, mas deixei ela um pouco de lado. Beberia de leve. Ainda assim, servi um pouco num copo de boteco. Eu estava muito bem mesmo! Na TV, passava futebol, claro que sem som, pois tocava Alice in Chains, e isso jamais mereceria ser atrapalhado. A noite tinha tudo o que eu queria, eu bebia sozinho, e já me distraia ao assistir o garçom atrapalhado pelo fato de ser seu primeiro dia, uma idéia de conto já me rondava. Mas quando se bebe como um rei, sempre existe um bobo da corte pra te foder.

- E aí chapa?
- E aí cara – eu respondi por educação.
- Beleza cara?
- Beleza, e você?
- Tudo ok.

Ficamos parados e quietos por cerca de dois minutos. Eu bebericava meu drink, por vezes a cerveja. Ele só observava.

- Então, - ele disse – você parece estar muito bem! Qual é a comemoração?
- Não tem comemoração cara – eu respondi – só estou bebendo, como todos fazem.
- Todos é o caralho! Ninguém pede três drinks ao mesmo tempo como você fez.
- Bom, digamos que eu gosto de beber, cara... – eu respondi, irritado – mas o que você quer man, fala logo.
- Nada mano, nada... Relaxa... Só tô puxando assunto. É muito errado tentar ser sociável?
- Não, mas quando não se está bebendo é ao menos esquisito.
- Ok, você venceu. Tô a fim de uma breja, mas estou duro.
- Porra cara! – eu disse ainda mais irritado – Se você tivesse sido honesto desde o começo, seria mais fácil pra eu te pagar drinks.
- Que merda mano!
- Se o senhor quer saber, - eu disse, dando uma golada fatal no meu drink – eu estou até endividado. Sério isso.
- Ah, conta outra.
- Juro.
- E como você tá bebendo com essa propriedade toda? – ele apontou para os drinks.
- Ganhei dinheiro no jogo...
- Jogo do bicho?
- Tá me tirando!? Poker cara, poker é jogo de homem.
- Saquei... Mas e aí, vai me pagar uma cerveja ou não?
- Se eu te der um copo cheio, você vaza e para de me encher o saco?
- Com certeza!

Pedi outro copo ao garçom, enchi, ele tomou tudo numa única talagada. Nos despedimos, pronto, ele ia encher o saco de outra pessoa em outro boteco, e, com sorte, conseguiria ficar bêbado sem gastar um puto sequer. Sujeito de sorte. Enquanto isso, minha garrafa de cerveja já estava chegando ao fim. Resolvi pedir mais uma maria-mole, que me custou mais cinco pratas. O som era muito bom, fluía entre Alice in Chains, Nirvana e Silverchair. Aquela porra devia ser um bar grunge, e escondido, com certeza.

O futebol já chegava ao final, minha dose de maria-mole também estava próxima de acabar. Me senti realizado. Percebi que não precisava das pessoas pra me divertir. Álcool, boa música e uma coisa na TV que eu não precisasse pensar: isso me bastava. Estava já saciado disso. Eu precisava naquela noite de uma vadia.

2.

Paguei minha comanda e saí cambaleante do bom bar secreto em que tocava grunge. Estava a fim de um puteiro. Andei umas quatro quadras pra cima Dalí, fui “puxado” pra um lugar com mulheres “do mundo”. As moças de lá não eram feias, eram horríveis. Uma pior do que a outra. Mas tudo bem, eu soube que com as trinta pratas que eu tinha pagado pra entrar, eu teria direito a tomar uma caipirinha e duas cervejas. E era isso o que eu faria. Justificar o meu direito. Fui direto ao bar, pedi a primeira cerveja. Observei o lugar. Não estava muito cheio, e algumas putas chegavam em mim, mas eu as dispensava com um simples “não vai rolar”. Por vezes é muito bom poder dizer isso, ao invés de só ouvir isso, como sempre acontece comigo. Minha segunda breja estava ajudando a achar elas um pouco mais bonitas, mas ainda assim a situação era bem complicada.

Uma garota chamada Luana chegou em mim. Ela era gorda, feia, dentes podres, cabelos quebrados, seios flácidos, bunda caída, cara de pobre... seu rosto era definitivamente a pior parte do seu corpo. Acho que se eu tentasse foder ela, eu iria acabar no triângulo das bermudas, comendo cocos e caçando peixes, pois era banha demais.

- E aí gato, tá a fim de se divertir hoje?
- Não não chuchu, vim pra beber.
- Mas você pode beber em qualquer lugar. Porque justo aqui? Deve haver algum bom motivo.
- Querida, veja bem... Como você chama mesmo?
- Luana, e você?
- Carlos... Então, veja bem, o que conta é a vista. Você pode comprar um refrigerante e beber em casa, ou você pode ir ao zoológico e lá, pedir o refrigerante.
- Nos compara a animais gato?
- Não! Pode usar a analogia do refrigerante com cinema também. Eu venho beber em puteiros para ver belas mulheres.

Eu sei que de belas elas não tinham nada (talvez fosse melhor que eu tivesse ido ao cinema, ou ao zoológico mesmo... mas ai ficaria no mínimo estranho que eu bebesse). Ainda assim, a analogia era bem válida e sensata.

- Entendi – ela disse, passando a mão direita na minha virilha – qualquer coisa me chame – ela saiu sorrindo, com os dentes mais podres do que comida vencida.
- Haha, podeixar. – eu respondi com uma falsidade tremenda.
Estava óbvio que eu não falaria com ela, mas pra que inventar intriga? Uma boa mentira é por vezes necessária pra se evitar um confronto desnecessário.

Minha cerveja acabara me restou a caipirinha. Pedi. Não estava tão ruim. Achei que usariam Corote, mas usaram o bom e Velho Barreiro. Sem querer ser repetitivo (mas já sendo), não estava tão ruim. De fato, naquela altura, depois de uma longa noite de bebedeira, descia muito bem pela minha garganta.

Foi então que eu a vi. Sim, era a melhor garota do local. Eu juro que não era efeito da bebida (eu acho... que juro?), ela era mesmo linda. Nada no estilo modelete. Mas de cabelos vermelhos, pernas torneadas, seios robustos, barriga bem desenhada. A bunda era comum, mas eu não ligava (melhor comum do que feia). Eu queria uma vadia e ela foi a escolhida. Nem esperei acabar o meu drink. Cheguei nela de forma direta. O bom de puteiros é que se pode ser canalha ao quadrado. Você pode tratar elas como lixo, e ainda assim as levará para a cama. E foi isso o que eu fiz com aquela ruiva.

- Gata, vamos pro quarto! – eu disse, pegando ela pelo braço.
- Nossa, que rapaz direto! Gostei! – ela retrucou com um sorriso de ponta a ponta.

Passamos no caixa, desembolsei umas boas cento e cinqüenta pratas, mas valeria a pena. E eu ainda bebia a caipirinha, lógico.

No quarto eu fui ainda mais canalha. Ela disse que queria luz apagada.

- Vamos apagar a luz?
- Não. Prefiro luz acesa.
- Ah, mas eu prefiro apagada.
- Ah, mas eu que tô pagando – eu disse, ironicamente.
- Ok.

Era isso, ela tinha que baixar a cabeça. A mulher objeto tem seu sentido mais claro numa puta.

- Vamos fazer papai-mamãe? – ela disse.
- Não, fica de quatro. – eu disse, secamente.
- Mas...
- De... qua... tro!

E ela teve que obedecer de novo. Ah, e pra variar ela mentiu sobre o meu pau, disse aquele discurso padrão de putas, que era o maior de todos, que ia doer pra entrar e tudo mais, mas por mim de boa, eu nunca via problema nisso, sei que elas eram pagas pra mentir.


Tive uma boa noitada, álcool, grunge e uma trepada decente. Voltei pra casa satisfeito, mas eu sabia que seria outra labuta pra ganhar aquele dinheiro de novo. Eu sou canalha com a puta enquanto a vida é canalha comigo. E assim que tudo segue.

Carlos Reis

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Criatividade



Quando estamos com grandes refeições à nossa frente e bons drinks
e fumamos bons charutos e pagamos o aluguel em dia, além de parcelar
algumas roupas de marca no cartão de crédito (sabendo que somos capazes de pagar)
E temos sempre festas aos fins de semana, com cervejas importadas e pessoas
de banho tomado e com uma boa aparência, ouvindo boa música e pagando
Vinte pratas numa dose de whisky Red Label, sem se preocupar demais com isso
andando de carros importados, com os cabelos bem cortados e a barba bem feita
e os dentes limpos, claros e sem estarem doendo frequentemente,
Quando isso tudo acontece, nos forçamos a escrever, tentamos e tentamos
ser mais criativos, tentamos arrumar o conto perfeito, o poema perfeito
Porque tudo está perfeito, tudo está como sempre teve que ser
A criatividade nos chuta nas bolas, e a tela do computador fica em branco
e geralmente não reclamamos disso, afinal, um texto não é nada comparado ao resto

O frio gelado da minha janela bate nos meus pés, eu bebo vinho barato direto da garrafa
dinheiro não existe, nem nada do que foi citado acima.
Eu diria que a fase não está muito boa, as vacas estão magras e o que eu tenho pra fazer
é olhar pra minha parede azul clara, suja com vômito de sei lá quando e também tem
cerveja e vinho na parede, também sei lá de quando (eu geralmente estou louco demais pra saber de tudo isso)
E de repente as palavras saem e saem mais. A criatividade aparece justamente quando você está a um passo da loucura.

Devo todos os meus poemas à minha loucura.

Carlos Reis

Tenham cuidado



Aos que pouco sabem sobre a vida e acham que tudo acaba
como um conto de fadas, com cores e princesas e unicórnios
e ainda animais bonitinhos e falantes e com praias lindas
conchas desenhadas por Deus e pelo Diabo, mas ainda assim
bem desenhadas

Por favor, se retirem da fantasia, por favor, entendam, entendam e evite
se remoer em lençóis pra sentir o cheiro de uma outra pessoa que não você
Mandar flores e colher margaridas antes de um encontro e comprar
caixas de bombons caros, com chocolates importados da Suécia
Fazer a barba, parar de beber, cortar os cabelos, comprar roupas e carros
e comprar uma casa e ter filhos e casar,
por favor, evite pensar demais nisso. Sabemos que isso pode acontecer, sim
é uma hipótese, mas não se apóie demais nisso. Não se apóie demais em planos
futuros, que ainda não são reais. O dia de amanhã nem Deus sabe.

Evitem usar a palavra amor como você usa a palavra “Olá” ou “Bom dia” ou “Obrigado”
ou como você manda seu chefe se foder
ou como você xinga seu time quando ele perde um jogo
Evitem usar tanto assim a palavra amor
Usem ela quando tiverem plena certeza, somente nesse momento

Essa palavra é importante demais pra ser desperdiçada

Carlos Reis

Ok



Tentei bater um conto hoje
não tive sucesso
pensei “ok”
E então fui na geladeira
haviam apenas duas garrafas de vinho
e não podia sair de casa
naquele instante
Abri a primeira garrafa e pensei “ok”
Dei um gole, vi meu saldo
no banco
pensei “ok”
Ouvi passos nas escadas
saltos altos
não, não era ninguém
devia ter sido no vizinho
pensei “ok”
Voltei novamente à geladeira, com fome
tinha uma garrafa de vinho e
uma de água
pensei “ok”
Sem comida por hoje,
sem textos
sem dinheiro
sem mulheres
sem muita bebida
sem muito de nada
simplesmente bebi mais um pouco
e pensei
“ok”

Eu seria feliz até que aquelas
duas garrafas
chegassem ao seu fim
e quando acabassem, eu diria

“ok”

Carlos Reis

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Investimentos, autógrafos e planos



Me recordo que era um dia frio, tudo o que sei é que aquele dia foi mesmo marcante pra mim. Era vinte e três de julho de dois mil e vinte um, eu estava próximo de completar trinta e um anos, mas vamos manter com os trinta ainda, por favor. Pois bem, eu tinha trinta anos, estava com Tammie a sete. Não sei exatamente como isso aconteceu, simplesmente um dia foi levando ao outro, um mês ao outro e um ano ao outro. Quando abrimos nossos olhos já eram mais de sete anos. Até que eu estava inteiro, o médico me recomendou que eu bebesse uma dose de vodka ao dia, nada além disso. Meu fígado, outrora fodido, estava recuperado, e eu podia beber destilados com moderação. Além disso, nos últimos cinco anos estava bebendo pouco, por falta de tempo. Tammie estava bem também, apesar das drogas e do álcool (no caso dela, de leve (o álcool)), ela estava com seus vinte e cinco anos, e estava bem. De fato, nem eu nem ela éramos mais tão bonitos quanto a sete anos atrás. Mas tudo bem, acho que a aparência, depois de sete anos, não é algo tão primordial quanto é no primeiro ano. Então, naquele dia, após longos anos de investimento eu iria pegar as chaves do meu apartamento. Não havia comentado nada com a Tammie. Digamos que gosto de fazer surpresas. Peguei as chaves, telefonei pra ela. O dia era sábado.
- Oi more, tudo bem? – eu disse, já entornando uma latinha de cerveja.
- Tudo sim, e você?
- Também. Hey, estou de folga hoje. Me encontra na estação Santa Cecília, vamos tomar uns drinks.
- Tudo bem, eu também não tenho nada pra fazer hoje – ela disse – acho que uns drinks cairão bem.
- Sim amore, até mais.
- Beijos, até.
Peguei as chaves. Entrei no apartamento. Olhei. Bom, estava tudo certo. Segui rumo ao metrô, bebendo minha cerveja, e apesar do dia frio, estava satisfeito. Com uma blusa velha e surrada, esperei ela na catraca da estação. Não tardou muito e ela chegou. Nos beijamos. Fomos a um pequeno bar ali perto. Bebemos e comemos, e tivemos um bom momento juntos, como sempre. Pagamos as comandas, eu ainda mantinha segredo.
- Vamos ali rapidinho, quero te mostrar uma coisa – eu disse, comprando uma cerveja em lata.
- Tudo bem – ela disse, ainda sem saber de nada.
Fomos ao meu apartamento. Entramos, abri a porta. Ela viu um apartamento completamente vazio, pequeno, mas interessante. Aconchegante. Bem legal mesmo. Tinha um quarto, o banheiro, a área de serviço, a cozinha e uma sala pequena. Mas o legal da sala é que ela tinha aquele balcão, aonde poderiam ser servidos drinks. Apesar de pequeno, era um bom lugar. Apesar de tudo, eu havia investido em algo, e isso me deixou feliz.
- O que você achou? – perguntei, sorrindo e entornando mais cerveja.
- Você comprou isso, alugou?
- Comprei, está tudo quitado.
- Mas porque você não me avisou nada seu puto?
- Hmmm... Surpresa! – eu disse rindo e bebendo mais.
- Porra, legal mesmo. E a mobília? – ela disse, olhando e andando pelo lugar.
- Chega na segunda. Comprei tudo já. Pedi as contas no meu emprego ontem.
- VOCÊ O QUE? – ela disse, espantada, me olhando bem fundo nos olhos.
- Bom, vou me dedicar à escrita.
- Mas você era chefe lá.
- Eu sei, e isso me proporcionou comprar esse apartamento. Mas agora vou me dedicar ao meu sonho. Meu livro será publicado semana que vem.
- Caralho Carlos... Estou sem palavras.
- Oras, só diga que no fim das contas tudo se acertou.
- Tudo bem, no fim das contas tudo se acertou.
- Obrigado Tammie – dei um beijo de leve nela, peguei uma garrafa de vinho que estava no chão da cozinha.
- Mas e seu trabalho, você ganhava extremamente bem. Tem alguém pro seu lugar já?
- Sim, tem um cara que promovi. Ele vai dar conta.
- E essa semana, o que você vai fazer?
- Bom, vou beber e escrever um pouco. Comprei um colchão inflável. Tenho um notebook. Vou ficar por aqui, e a mobília chega na segunda. Até lá durmo no chão e bebo vinho quente. E escrevo.
- Entendi. E onde vai ser publicado seu livro?
- Ali na livraria Saraiva da Paulista. Aqui do lado. Vou lá autografar alguns.
- Porra, que legal Carlos! – ela me disse, me beijando de leve.
- Sim. Bom, acho que temos um bom tempo juntos. Se quiser morar aqui, pode morar... – eu disse, entornando vinho, com medo da resposta.
- Calma baby, calma... Mas juro que vou pensar.
- Tudo bem more, tudo bem.
Eu havia investido muito tempo e dinheiro naquilo. Eu trabalhava cerca de dez horas ao dia, mas havia valido a pena. Escrevia no tempo livre. O estresse do meu trabalho era terrível. Entrei como assistente, fui subindo e subindo, o dinheiro foi entrando, mas eu nunca fui de esbanjar. Quanto maior o cargo, maior o estresse. Portanto, guardava uma boa grana. Comprei o apartamento a vista. Só pagaria o condomínio e as contas. E agora sim eu poderia viver somente da escrita. Eu escrevia desde os meus dezesseis anos. Com vinte e cinco comecei a publicar em revistas marginais. Com vinte e sete comecei a fazer leituras. Ganhava uma grana (que não era muita), mas isso ia fazendo de leve minha fama na cena da literatura marginal. Todos os grandes escritores me pediam um livro, mas eu tinha que pagar muitas contas, portanto me sujeitava ao meu emprego. Agora, eu gastaria bem pouco, poderia viver disso. Fiz uma grande divulgação do meu livro na internet, eu tinha blog, página no FaceBook e os caralhos todos.
Naquela noite fiz questão de ir pra um motel... De domingo pra segunda eu dormiria no colchão inflável, e isso me daria mais uma idéia pra escrever, com certeza. Aquele monte de casa cheia de nada, o nada cheio de futuro. No motel foi bem divertido, eu havia mandado minha empresa à merda, estava com uma boa grana. Resolvi aproveitar, afinal de contas, Tammie esteve comigo nas piores horas, nas horas em que a gente tomava A Outra e tomava Vinho Cantina do Rio Bonito. Ela pegou os primórdios do fracasso, assistiu (e ajudou) a tornar todo aquele investimento em realidade. Naquela noite dormimos numa boa cama, pedimos drinks caros, além da foda que sempre era uma novidade, apesar dos sete anos juntos (mas sempre muito boa pra ambos).
Domingo de manhã ela foi pra casa dela, eu pra minha. Enchi meu colchão inflável, me deitei. Olhei pro teto, sorri. Peguei mais uma garrafa de vinho. Abri e comecei a beber. Bati um texto. Muitos com a minha idade, no meu cargo profissional, achariam isso uma derrota, menos eu. Eu estava muito bem. Finalmente, após alguns anos eu faria o que sempre sonhei. Me dedicaria à escrita. Acordaria ao meio-dia, sem estresses, bateria meus textos, faria minhas leituras, escreveria livros, contos, poemas, qualquer coisa, qualquer coisa que me libertasse serviria naquela hora, e em qualquer hora pelos próximos mil anos.

2.

Uma semana morando naquele pequeno apartamento. Sem trabalhar. Sem me preocupar com muita coisa. Comprando comidas baratas, drinks baratos. A escrivaninha me ocupava horas e mais horas. Eu batia textos o dia todo. Eram horas e mais horas. Começava a escrever sempre depois das 19h. Mas acordava cedo, geralmente às 14h, comia alguma coisa de leve, bebia cervejas. Lavava a louça, fazia almoço por volta das 18h, comia, lavava a louça. Bem, durante esse tempo eu me mantinha entretido com jornais, TV e internet. Leituras no geral me enchiam, por vezes recebia alguns poemas por email (repito, eu tinha uma certa fama), e lia, apenas pelo fato de querer dar um feedback pros leitores. Geralmente eram bons, mas parece que as pessoas “masturbam” demais as idéias. Verborragia, exageros, simétrica. Bom, eu sempre odiei tudo isso. Por isso sempre aconselhava o contrário, pra que fosse o mais simples possível. Volta e meia, durante a semana, eu saia com Tammie, e naquele dia batia apenas um poema de leve. Os contos eu deixava para os dias em que minha compania eram garrafas de vinho. E aquela semana foi simplesmente linda. É como se o sonho houvesse sido realizado. E sim, ele havia sido realizado. Eu morava bem, vivia do que eu queria, bebia todos os dias, ocupava meu tempo com coisas que me interessavam. Não pegava metrô, nem trem, nem nada. Não tinha preocupações. Era eu e a máquina, como foi em quatorze anos. Mas dessa vez, eu podia me dedicar cem por cento a ela. Ela estava feliz, e eu também.
Havia chego o grande dia. Eu estava nervoso. A sessão começaria às 18h. Pra passar o nervosismo, tomei uma boa dose de vodka com coca-cola, depois levei três garrafas de vinho ao lugar. Tammie disse que iria, e por isso reservei um bom lugar pra ela, na fileira da frente. Sim, eu leria uns poemas, depois eu ia autografar os livros. Fui a pé para lá, era perto de casa, carregando uma mochila com alguns poemas impressos e garrafas de vinho. Tammie iria direto do trabalho. Cheguei suando, fui ao banheiro e troquei de camiseta, além de jogar uma boa água no rosto. Dei uma golada no vinho, acho que eu estava pronto.
Quando saí do banheiro vi uma multidão (eram umas cem pessoas, julgo como multidão). Meu editor, Eric, me cumprimentou antes que qualquer pessoa pudesse me ver.
- Fala Carlos. Tá pronto cara?
- Não – respondi, virando o vinho direto do gargalo.
- Hahahaha, tudo bem, vai dar tudo certo. Tammie está ali, no lugar que você pediu pra ela – ele apontou, estávamos muito de longe. Eu nem vi ela, mas acenei positivamente.
- Valeu cara. Preciso de um copo na mesa.
- Tudo bem, vai lá. E me dê as garrafas, leve uma só. O resto eu levo pra você conforme você for bebendo.
- Ok – respondi, pronto pra ser abocanhado por aquela multidão.

3.

Passei pelo meio do corredor, as pessoas me reconheceram. Um cara com trinta anos, aparência de quarenta, não querendo estar ali. Na verdade queria, mas com um medo desgraçado. Passei por Tammie antes de subir no palco, levantei a garrafa pra ela, pisquei o olho esquerdo, ela sorriu. Subi as escadas e me sentei.
- Meu nome é Carlos Reis. Vou ler alguns poemas. E essa maldita garrafa vai estar do lado deles.
Coloquei a garrafa de vinho no canto da mesa. Abri a mochila, peguei os papéis. Ouvi alguém gritar, do fundo.
- NÓS SABEMOS QUEM VOCÊ É!
- Excelente então, já sabem que vão ouvir merdas e me ver bêbado! – respondi – Cadê a porra do copo!? – berrei.
Um copo apareceu. Enchi ele com vinho, enquanto a platéia ria ainda da minha sentença anterior. Dei uma boa golada. Olhei a platéia. Tammie estava ali. Alguns dos meus ídolos estavam ali também. Isso fez eu dar uma boa golada. Paulo de Freitas, Eduardo Pinheiro e também tinha o genial Lucas Venancio. Bom, não me restava nada além de começar a ler aquelas merdas.
Comecei com poemas mais reflexivos. Parti pros de comédia. Eu não leria nada de amor naquele dia, era um dia de comemoração. Eu queria a platéia animada. Li muitos poemas engraçados. Eles berravam de rir. Até meus ídolos. Eu só ia bebendo. A garrafa dois chegou. Retornei aos reflexivos. Bebi mais e mais. Voltei pros de comédia. Havia matado duas garrafas de vinho em quarenta minutos. Odiava os aplausos. Eles aplaudiam a cada poema lido. Eu só fazia um gesto com a mão do tipo “tudo bem, tudo bem, calma, parem com isso”. Acho que foi uma boa leitura. E era grátis. Quem comprasse o livro, tinha direito a assistir a leitura. Eric achou bom assim, e o que ele falasse, por mim estava acertado.

4.

Terminei a leitura, todos estavam satisfeitos. Eu teria um intervalo de trinta minutos até que organizassem tudo pra sessão de autógrafos. Me surpreendeu em plena segunda-feira o número de pessoas que estavam por ali. Desci do palco, Eric subiu e disse ao microfone “Daqui a trinta minutos começamos a sessão de autógrafos. Obrigado”, passei por Tammie, ela se levantou, me deu um beijo e disse.
- Foi genial amor, como sempre.
- Obrigado Tammie, obrigado...
Nisso, Paulo, Eduardo e Lucas chegaram em mim também.
- Porra Carlos, você foi muito bem – disse Lucas.
- Sim, estava daora man, rachei o bico – Paulo adicionou.
- Parabéns, sem mais – e pra me deixar mais encabulado, Eduardo finalizou.
- Valeu caras – eu disse, abraçando os três – se não fossem vocês, eu nem estaria aqui. Hey, vamos comer alguma coisa, o que vocês acham?
Todos responderam positivamente, passamos ali do lado, tinha um Habib’s. Pedi um chopp, eles também, Tammie também, além de umas esfihas. Comemos, como amigos. Rimos de algumas situações. O olhar de Tammie ainda era o mesmo de sete anos atrás. E isso pra mim era um alívio, eu ainda via honestidade no olhar dela. Adorava quando ela sorria pra mim, eu retribuía o sorriso. E os caras? Bom, nada a declarar. Meus ídolos estavam na estréia do meu livro. Me senti uma virgem. Daquelas de quatorze anos, que tem as bucetas molhadas. Sei lá, parece que todos aqueles anos de trabalho estressante estavam valendo a pena. Eu iria ganhar uma boa nota com a venda daqueles livros. Eu estava longe de ser um dos grandes autores nacionais, mas tinha uma boa vida.
Os trinta minutos haviam acabado. Deixei Tammie e meus colegas ali, bebendo mais. Eu teria que autografar uns livros. Me retirei, Tammie disse que cuidaria da conta, sai e fui de volta pra livraria. Ainda tinha uma garrafa de vinho, isso me ajudaria a autografar de forma completamente errada.

5.

Me sentei, coloquei a terceira garrafa de vinho na mesa. Era uma grande fila, todos com o meu livro “Notas de um Jovem Frustrado”. Peguei um copo, servi vinho. Eric sussurou no meu ouvido.
- Temos muita gente aqui. Sei que você está bêbado, mas evite papear demais, tudo bem?
- Ok Eric, ok – eu disse, pensando “que se foda, se eu quiser papear eu vou papear”
A fila prosseguia. Eu tinha trinta anos (ainda não eram trinta e um), a maioria das pessoas que liam minhas coisas eram bem mais novas. Cerca de vinte anos, ou ainda, quinze anos. Eu autografava e dava goladas de leve no vinho. Volta e meia alguém me perguntava alguma coisa. Como um cara de uns vinte e um anos.
- O que você aconselha pra quem está começando, Sr. Reis.
- Senhor é o caralho.
- Tudo bem Carlos.
- Bem melhor... Bom, tenta meter bastante. Não tenha medo das coisas. Beba até o seu fígado parar. Use drogas. Escreva pra você, nunca escreva pros outros. O crítico mais importante do que você escreve é você mesmo.
- Obrigado Carlos!
- De nada jovem – eu disse bebendo mais vinho.
A fila estava ainda longa. Até que muita gente estava comprando aquela merda. Não sou capitalista, mas a cada pessoa que passava com meu livro em mãos eu pensava “bom, mais algumas pratas na minha conta”, sim, porque uma parte ia pra editora, outra pra mim, outra pro Eric... Mas estava feliz com aquilo tudo.
Uma jovem, acho que tinha uns dezoito anos, no máximo, passou com seu livro.
- Você é o novo Bukowski! – ela disse, batendo palmas de leve e sorrindo, extasiada por estar ali.
- Não sou nada. Estou longe dele. Mas obrigado pelo elogio – eu disse, entornando mais vinho.
- Quero passar uma noite com você.
- Mas porque, você nem me conhece...
- Tudo o que você escreve é muito erótico. Quero ver como você é na cama.
- Desculpe baby – bebi mais vinho, enquanto já ia assinando o livro – mas estou comprometido.
- Cadê a aliança? – ela perguntou, com uma risada safada.
- Não preciso.
- Vou te mandar fotos de mim nua.
- Tudo bem, muitas mandam, obrigado e continue lendo a minha merda.
Ela saiu rindo. Assinei mais algumas dezenas de livros. Era cansativo. Meu vinho estava no fim. Finalmente terminei a linha. Os últimos autógrafos foram pra Lucas, Eduardo, Paulo e Tammie. Obviamente que caprichei nisso. Escrevi um poema pequeno pra cada, além do meu autógrafo. Eu tinha a capacidade de improvisar poemas do nada (não contos), e isso que fiz com eles.
Eu estava exausto, mas feliz. Isso valia mais do que um dia de trabalho. Melhor do que bater cartão. Com trinta anos eu estava realizado. Meu pai demorou vinte e cinco anos além disso pra se tornar realizado.
Eric me agradeceu, fui embora com Tammie. Naquela noite ela dormiu em casa.
- Vou morar contigo – ela disse.
- Tudo bem... – respondi, tomando uma cerveja.
- E se der errado?
- E se der certo? – retruquei.

Ela sorriu, deitou no meu ombro e dormimos nas nuvens naquele dia.

Carlos Reis