sexta-feira, 11 de abril de 2014

É tudo somente uma questão de fracasso



Os tempos estavam difíceis. Mas a vida era essa, eu não tinha outra opção. É como você estar embaixo d’água, e ter um determinado tempo de sobrevivência. Eu tinha alguns dias de “vida”. Vamos colocar entre aspas, porque na verdade eu não estava pra morrer fisicamente, e sim profissionalmente. Eu havia feito um bom dinheiro na área da arquitetura, mas sempre em empregos temporários. Pois bem, a questão é que eu não conseguia arrumar outros empregos nesse ramo (temporários ou não), e não estava conseguindo achar de jeito nenhum. Eu tinha o prazo de vinte dias até que meu dinheiro acabasse. Sim, eu ia lutar de forma incessante pra achar nesses vinte dias, mas eu tinha contas a pagar, eu não teria outra opção além de voltar ao telemarketing. Nada contra quem é do ramo, ao menos é um emprego digno, mas ter estudado quatro anos pra trabalhar num lugar em que as pessoas ainda estão no ensino médio... Sei lá, é como se todo o meu esforço não fosse reconhecido. É como jogar quatro anos da sua vida no lixo. Horas e mais horas de estudo não me serviram de nada. Além do meu casamento, em que eu construí muita coisa e perdi tudo. Só com a grana que eu pagava de aluguel, eu poderia pagar a parcela de um carro. Tudo, tudo foi por água abaixo. Eu estava com medo. Eu chorava antes de dormir. Preocupado. Irritado. Ansioso. Não existe uma palavra que especificasse o que eu sentia naquele exato momento.

Minha saúde não andava das melhores, estava diagnosticado com início de cirrose. E por isso, cortei as bebidas destiladas, me dedicava aos vinhos e cervejas baratas. Mas naquela noite (madrugada), em que eu não conseguia dormir, eu comecei a repensar as coisas. “Se eu voltar ao telemarketing, vai ser como nos velhos tempos. Vou voltar a beber pesado todos os dias. Voltar aos Corotes. Voltar à solidão, às noitadas sem sentido algum. Às dormidas em sarjetas. Beber pesado e escrever pelas noites. Acordar de ressaca, gorfar e beber mais. E não me interessa o que me dissessem, eu sentia o fracasso, eles não. Eles não. Toda dor é única e exclusiva e eu faria de tudo pra ver tudo cair. Afinal, já que é pra desmoronar, que desmorone tudo de uma vez. Que minha saúde se foda. Que eu vá pro saco. E quem sabe, algum dia, magicamente eu tomaria um rumo...” pensei acendendo outro cigarro. Já estava com fortes problemas de estômago. Ele doía todos os dias, mas eu não ligava. Só entornava mais e mais vinho. Não sei que reação ele teria aos Corotes, certamente não reagiria muito bem, mas era isso, somente dessa forma eu ia agüentar a lidar com esse fracasso. Não que eu exigisse algo grandioso, com grandes salários (como eu já tive um dia), apenas um emprego simples e no ramo que estudei por longos e malditos quatro anos. Eu sempre fui tão bem, sempre fui muito inteligente, eu simplesmente não entendia o porquê não conseguia progredir. Olhava pros céus e falava “Deus, o que eu fiz de errado? Me diz aonde eu errei, por favor!” Mas como Deus não existe, não havia resposta à minha pergunta.


Vinte dias, eu tinha ainda vinte dias de luta. Depois disso eu voltaria ao ponto em que comecei tudo. Cinco anos no lixo, quase seis na verdade. Depois de quatro anos e meio de relacionamento jogados pelo ralo, mais seis de formação profissional indo também. “Afinal de contas – pensei, tragando mais cigarros e entornando mais vinho – é tudo somente uma questão de fracasso.”

Carlos Reis

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