Os
tempos estavam difíceis. Mas a vida era essa, eu não tinha outra opção. É como
você estar embaixo d’água, e ter um determinado tempo de sobrevivência. Eu
tinha alguns dias de “vida”. Vamos colocar entre aspas, porque na verdade eu
não estava pra morrer fisicamente, e sim profissionalmente. Eu havia feito um
bom dinheiro na área da arquitetura, mas sempre em empregos temporários. Pois
bem, a questão é que eu não conseguia arrumar outros empregos nesse ramo (temporários
ou não), e não estava conseguindo achar de jeito nenhum. Eu tinha o prazo de
vinte dias até que meu dinheiro acabasse. Sim, eu ia lutar de forma incessante
pra achar nesses vinte dias, mas eu tinha contas a pagar, eu não teria outra
opção além de voltar ao telemarketing. Nada contra quem é do ramo, ao menos é
um emprego digno, mas ter estudado quatro anos pra trabalhar num lugar em que
as pessoas ainda estão no ensino médio... Sei lá, é como se todo o meu esforço
não fosse reconhecido. É como jogar quatro anos da sua vida no lixo. Horas e
mais horas de estudo não me serviram de nada. Além do meu casamento, em que eu
construí muita coisa e perdi tudo. Só com a grana que eu pagava de aluguel, eu
poderia pagar a parcela de um carro. Tudo, tudo foi por água abaixo. Eu estava
com medo. Eu chorava antes de dormir. Preocupado. Irritado. Ansioso. Não existe
uma palavra que especificasse o que eu sentia naquele exato momento.
Minha
saúde não andava das melhores, estava diagnosticado com início de cirrose. E
por isso, cortei as bebidas destiladas, me dedicava aos vinhos e cervejas
baratas. Mas naquela noite (madrugada), em que eu não conseguia dormir, eu
comecei a repensar as coisas. “Se eu voltar ao telemarketing, vai ser como nos velhos
tempos. Vou voltar a beber pesado todos os dias. Voltar aos Corotes. Voltar à
solidão, às noitadas sem sentido algum. Às dormidas em sarjetas. Beber pesado e
escrever pelas noites. Acordar de ressaca, gorfar e beber mais. E não me
interessa o que me dissessem, eu sentia o fracasso, eles não. Eles não. Toda
dor é única e exclusiva e eu faria de tudo pra ver tudo cair. Afinal, já que é
pra desmoronar, que desmorone tudo de uma vez. Que minha saúde se foda. Que eu
vá pro saco. E quem sabe, algum dia, magicamente eu tomaria um rumo...” pensei
acendendo outro cigarro. Já estava com fortes problemas de estômago. Ele doía todos
os dias, mas eu não ligava. Só entornava mais e mais vinho. Não sei que reação
ele teria aos Corotes, certamente não reagiria muito bem, mas era isso, somente
dessa forma eu ia agüentar a lidar com esse fracasso. Não que eu exigisse algo
grandioso, com grandes salários (como eu já tive um dia), apenas um emprego
simples e no ramo que estudei por longos e malditos quatro anos. Eu sempre fui
tão bem, sempre fui muito inteligente, eu simplesmente não entendia o porquê
não conseguia progredir. Olhava pros céus e falava “Deus, o que eu fiz de
errado? Me diz aonde eu errei, por favor!” Mas como Deus não existe, não havia
resposta à minha pergunta.
Vinte
dias, eu tinha ainda vinte dias de luta. Depois disso eu voltaria ao ponto em
que comecei tudo. Cinco anos no lixo, quase seis na verdade. Depois de quatro
anos e meio de relacionamento jogados pelo ralo, mais seis de formação
profissional indo também. “Afinal de contas – pensei, tragando mais cigarros e
entornando mais vinho – é tudo somente uma questão de fracasso.”
Carlos Reis
Carlos Reis
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