sábado, 15 de junho de 2013

Problemas paternos



Tudo seguia muito bem naquela altura da minha vida, eu tentava ser um cara melhor, tentava largar tudo o que me prejudicava e tentar sorrir um pouco, tentar ver o lado bom da vida, sair do cubículo infernal e olhar o sol dando um leve sorriso. Estava saindo com uma garota, ela era bem bacana mesmo, nos dávamos super bem, bebíamos, metiamos e conversávamos, tudo muito bonito mesmo, e estava feliz de verdade, no que tange a relacionamentos amorosos, como não ficava a muitos anos. Fazia terapia, os progressos apareciam lentamente, mas apareciam, e caralhos, por tudo o que eu passei na minha vida, eu precisava de anos e mais anos e mais anos de terapia fodida. Enfim, em resumo eu estava bem diferente, já não fodia mais as coisas, era bem visto pelos meus chefes, no trabalho tudo ia muito bem, obrigado.

Existiam algumas coisas que me deixavam ainda deprimido e irritado e macambúzio e qualquer outro adjetivo negativo que se possa imaginar. Uma delas, creio que a principal delas aliás, era o meu pai. Nunca nos demos muito bem na verdade. Os gritos que ele bradava comigo na infância ainda ecoavam, e certamente iriam ecoar pra caralho, talvez pelo resto da minha vida, talvez não. Minha única certeza é que eu não perdoei ele por ter sido um pai ruim. Tentamos nos aproximar, eu já adulto, ele já mais velho, e talvez, repito, TALVEZ mais maduro. Sim, ele era uma criança num corpo de um homem, talvez por isso eu nunca tive uma figura paterna, alguém que eu chamasse de pai. Existia um homem na minha casa que chegava sempre tarde, bêbado, drogado e estressado. Não tinha muita segurança pra me abrir com ele, sei lá, falar de uma garotinha bonita na segunda série que eu gostava, aprender sobre a vida, jogar futebol e, quem sabe, ir ao zoológico ver a girafa. Não. Nunca tive isso, acho que essa falta de proximidade durante todos esses anos, essa frieza com que eu era tratado, ou ainda, esse ódio e repulsa com que eu era tratado, tenha cooperado pra que eu veja ele hoje como uma pessoa comum, pela qual não tenho afeto algum, muito menos vontade de ver, menos ainda de abraçar, e ainda menos de falar sobre a minha vida, que sim, ia muito bem. Eu sabia que pra ele talvez fosse indiferente o fato de eu ser um alcoolátra e drogado ou um cara bacana, feliz e trabalhador. Sempre que eu tentava falar com ele, era sempre rápido, sempre do jeito dele, sempre na hora em que ele podia. Caralhos, é pedir demais um dia pra ter uma conversa a dois, entre pai e filho, minto, pai e filho não somos, digo uma conversa de homem mais velho pra homem mais novo... É pedir demais algumas horinhas e ouvidos? Acho que pra ele era, sempre corria, sempre agitado, sempre sem tempo algum pra mim, eu era o plano B dele, alguém bacana, mas atrás de várias e várias prioridades, como ganhar dinheiro, ficar rico, ir pra praia e abrir um quiosque de lanches. Sim, eu não podia contar com ele, ele também não contava comigo e nossas vidas seguiam bem separadas, bem distantes, assim como sempre foi caralhos. Eu na verdade, quando criança, chorava a cada tentativa frustrada de ter uma figura paterna, a cada reclamação de que eu demorava demais pra comer, a cada grito, a cada silêncio e a cada indiferença. Mas sabem como é a vida, uma hora nos acostumamos com as coisas, apanhamos tanto que chorar parece nem fazer sentido, uma vez que choro não muda as pessoas, por isso havia parado de chorar por ele na adolescência e fazia o que eu queria, bebia, fumava e cheirava e ele que se fodesse, pra mim tanto fazia mesmo. Meu olhar era o indiferente agora, e ele, talvez chorasse ao olhar a criação dele, assim como naquele livro Frankstein, em que o criador lamenta por ter criado tal sujeito medonho e assustador. Repito, TALVEZ ele chorasse, ou ele bebia e tentava ficar rico, acho que isso fazia ele me esquecer do outro lado da cidade. Me incomodava com o fato de que meus amigos conversavam com seus pais, pediam carona e eles davam, eles iam buscar os filhos no metrô e levá-los para casa em segurança. Pois é, eu não tinha isso, mas me sentia livre, independente dele, honestamente eu vivia sozinho no mundo, sempre conquistei tudo sozinho, talvez por isso eu tenha falta de modéstia, talvez por isso eu era inteligente e bom em tudo o que fazia. Carregava o mundo nas minhas costas, às vezes ele pesava, mas ia muito bem ainda. Lidava com as minhas frustrações sem uma figura paterna, aprendi a fazer assim, estava acostumado.

Eu tinha que perdoar ele, me aproximar, quem sabe um dia eu conseguiria amar ele, talvez eu amasse ele, repito TALVEZ eu amasse ele algum dia. Mas como, como amar uma figura tão indiferente para mim? Juro que tentei, tentei várias vezes me aproximar, mas não tinhamos assunto, ele só me falava de ganhar dinheiro, comprar casas de veraneio, beber boas bebidas e ser promovido no meu emprego, sendo que eu era sempre o mais novo em todas as funções em que eu exercia. Eu sabia que eu era acima da média, eu sabia que poderia ficar rico se eu quissesse, mas ele me apressava e isso me roia os culhões. Como perdoar ele? Buscava respostas nas pessoas, mas nada de mudar, ele achava que tinha mudado, mas ainda éramos dois estranhos, um de frente pro outro, tentando acreditar que podiamos ser pai e filho. Desisti da terapia um mês depois de ter começado, voltei a fazer o que eu achava melhor. Se ele me ligasse, atenderia, mas ainda assim eu não o amava. Se nada mudar até o dia da morte dele, estarei no seu enterro, acho que vou chorar de alegria, cuspir em cima do caixão enquanto ele desce na cova e chamar ele de fracassado.

Zaratustra

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