quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Tráfico arriscado e a bad trip



Era meu aniversário de 27 anos. "Essa idade é uma merda!", pensava, lembrando do Jim, da Jane, do Kurt, do Jimmy e da Amy. Não me sentia confortável com aquilo, com certeza aquele aniversário era uma maldita festa mórbida, eu estava comemorando a possibilidade de morrer nos próximos 365 dias, então nem fiz porra nenhuma de festa. Abri umas brejas de manhãzinha, sozinho e fiquei me embebedando até umas 15h. Sabia que a morte estava próxima, resolvi aproveitar, porra, isso que temos que fazer, aproveitar o dia, o momento, já dizia Avenged Sevenfold com sua música de bicha Seize the Day... Resolvi colocar essa e outras músicas dos caras pra tocar, e me embebedei até pegar no sono, isso numa terça-feira.

Estava trabalhando na madruga, com tráfico de drogas. Meu trabalho era simples. Pegava drogas de um lugar e levava para outro, de um traficante para outro. Eu ganhava 70 reais por entrega, costumava fazer umas 3 ou 4 entregas por noite, um serviço bem suave mesmo, que pagava muito bem e me proporcionava tomar meus porres de breja pelas manhãs. Naquele dia do meu aniversário, acordei cerca de 20h pra começar a trabalhar. Caguei as brejas, ahhh as cagadas de brejas são sempre as melhores "isso vale mais do que a cocaína que cheiro!", pensava enquanto cagava, era muito bom isso, todos tem que fazer isso. Levantei do vaso, limpei meu cu, entrei no banho, tomei um banho ótimo, me regenerei, estava quase pronto pra ir trabalhar. Coloquei uma cueca bonita, uma roupa boa também, calça jeans das novas, uma camiseta muito bonita do Metallica. Passei gel nos cabelos, penteie a longa barba de terrorista. Fui ao meu quarto, peguei um pino de pó, dos pequenos, despejei um pouco em cima da mesa da cozinha, montei duas carreiras. Cheirei a primeira com a narina esquerda e a segunda com a narina direita. Guardei o resto do pino e saí pra trabalhar.

Na época morava no Jardim São Paulo, zona norte da capital. Tinha um traficante que trabalhava a uns 15 minutos de casa, ia lá sempre, e sempre a pé. Ele vendia sempre drogas de muita qualidade e pagava meu salário direitinho, então nos dávamos muito bem mesmo. Cheguei ao local umas 21h30, pronto pra mais um dia de trampo.

- E aí Carlos, beleza? - ele me cumprimentou com um belo aperto de mão
- Suave Papapó! E você man?
- Também de boas cara. Hoje tem um trampo foda pra você...

Fiquei preocupado. Papapó sempre me passou uns trampinhos suaves, nunca disse que teriam trampos fodas. Mas estou ali pra ganhar meu dinheiro e tentar fazer meu trabalho bem feito.

- Vixi mano, que que foi?
- Seguinte. Tem um povinho ali da Vila Guilherme que está esperando um carregamento. O que eu vou passar pra você é um pouco abaixo do que eles esperam... Portanto cê precisa estar suave pra lidar com a situação. A questão é que o resto ainda não chegou, preciso que você enrole eles.

Me preocupei mesmo. Eu sabia que os caras da Vila Guilherme eram barra pesada, tinha saido no Cidade Alerta que eles tinham matado uma par de gente por lá, que deviam grana pra eles, os caras não brincavam em serviço.

- Porra man, aí você me fode! - falei indignado
- Cara, o problema é que estou esperando um carregamento grande, mas está chegando... Depois mando o Pedrito com o resto, mas preciso que você enrole eles com o que temos.
- Caralho... Beleza mano, você que é o chefe, mas se der merda fudeu master ein.
- Você é um dos melhores Carlos, vai dar tudo certo - Papapó tentou me passar confiança.

Peguei o carregamento e coloquei na mochila. Não escondíamos nada, porque a polícia nunca me revistava. Tinha cara de bom moço e Papapó confiava em mim, por isso fazia esse trampo. Era cerca de 4 quilos de cocaína, 3.5 quilos de maconha e umas 20 pedras de crack. Estava mesmo carregado aquela noite.

Rumei a pé, sentido Vila Guilherme. Maldita quase uma hora de caminhada. Cheguei em um lugar que não era exatamente uma favela, estava mais pra um beco. Tinham uns caras mal encarados, mas não vi nenhuma arma, me senti um pouco mais tranquilo. Procurei seu líder. Nesse tipo de pico, o líder é geralmente o cara mais afastado. Vi que quem estava mais afastado era um sujeito muito feio e com o cabelo descolorido. Me aproximei dele.

- Cê que é o Xandão?
- Sim, e você é?
- Sou o Carlos, do Jardim São Paulo.
- Ahhh sim, tava te esperando mesmo. Trouxe as paradas né?
- Sim sim, tô com elas aqui na mochila.
- Beleza, chega aí.

Entramos num quartinho, numa das casas ali do beco. Via alguns moleques menores de idade embalando todo tipo de droga, completamente pelados. Para quem não sabe, todo mundo que trabalha com embalamento de droga trabalha pelado pra não pegar a droga. Era quase uma fábrica aquilo. Na verdade era uma fábrica de droga e eles tinham muitas drogas lá. Percebi que os meninos embalavam a coca em pinos de uma grama, pedras de crack isoladas e a maconha em parangas de umas 5 gramas cada... Me sentei no que parecia ser a sala do Xandão. Tinha uma mesa velha e fedia a mijo ali dentro. Vi um rato correndo.

- Abre a mochila aí mano.

Abri a mochila e tirei toda a droga de dentro. Ele pegou uma balança que estava numa gaveta e começou a pesar a droga. Olhou, olhou, pesou mais um pouco. Parecia bem desconfiado. "Fudeu, fudeu, é assim que eu morro" pensei, quase mijando nas calças. Ele pega o Nextel dele e chama uns 2 caras pra irem ali. Os caras chegaram, dois caras, bem armados. Estavam com uma .40 semi-automática, mesma arma da polícia "só falta essas porras serem polícias, aí fodeu", pensava.

- Tá errado essa porra! - disse Xandão, visivelmente irritado
- O que, o que que está errado? - falava, gaguejando
- Não foi esse o acordo porra! Eu tinha combinado 5 quilos de pó e 4 quilos de erva caralho! Só o crack que tá certo merda! - Xandão me disse, ainda mais puto.

Fiquei quieto. Tava com muito medo mesmo, achava que ia morrer ali. Nisso, os dois caras armados pegaram suas armas da cintura. Um pela esquerda, um pela direita, colocaram suas armas na minha cabeça. Se os dois atirassem, eu ficaria irreconhecível, talvez com sorte, se não pegasse nos dentes, iam saber quem eu era pela arcada dentária, mas dois tiros daqueles me matariam. O frio das armas na minha cabeça me apavorava na hora. "idade, idade maldita!" pensava.

- Mete o canhão na cabeça dessa porra e segura aí. Vou ligar pro Papapó. Se ele falar merda a gente mata esse filho da puta! - Xandão estava mesmo puto.

"Caralho, caralho, caralho, me ajuda Papapó!" Só pensava nisso com as malditas armas na cabeça e o medo de morrer passando por dentro de mim. Xandão se ausentou por uns 30 minutos. E as armas na minha cabeça e eu gelando, com medo da morte. Eis que vejo ele voltar "que sejam boas notícias, que sejam boas notícias" pensava.

Xandão veio e foi direto.

- O Papapó está me dizendo que você que pegou a droga. Que você pegou a droga pra você e que ele te entregou o combinado.

"Filho duma puta!" pensei. Eu até curtia um pó, mas trabalho é trabalho porra! Não vou nunca pegar coisas daqui mano.

- Cara, cara, veja bem... - dizia, gaguejando.
- Cê tem que se explicar rápido, senão eu peço pra eles atirarem. - Xandão disse com uma frieza monstra.

Fiquei estático por um tempo. Mas pensei rápido. Eu precisava enrolar ele.

- Beleza cara, ele tem razão. Tá comigo. Tenho problemas com essas merdas - falei sério com ele.
- Cê tem que me dar tudo cara, senão te mato.
- Então me mate, me mate porra! Acaba com esse vício maldito caralho!
- Caras, engatilhem as armas!

Achei que ia morrer ali, juro. Tava muito pesado o clima.

- ATIRA PORRA, ATIRA COM TUDO ESSA MERDA EU NÃO MEREÇO MAIS VIVER PORRA! - gritei.

Nisso, pelos bons deuses, bons deuses, ouço uma batida na porta da "sala" do Xandão.

- Xandão, tem um outro cara aí que veio do Jardim São Paulo. Mando entrar? - disse um dos capangas.
- Sim, por favor.

Era Pedrito, com o resto da droga. Respirei aliviado, achei que morreria naquela noite, mas agora sabia que estava suave. Pedrito entrou na sala, abriu a mochila, completou o carregamento de droga e tudo pareceu muito bem. O combinado estava feito. Saímos de lá, nós dois, eu estava provavelmente com as calças sujas de merda, mas ao menos estava vivo.

- Para de se drogar mano... Isso vai te foder. - Xandão me disse, atenciosamente.
- Beleza mano, valeu pelo toque. - agradeci.

Voltamos para o Jardim São Paulo. Estava mesmo muito mal depois dessa. Peguei uma garrafa de vodka, uns três pinos de cocaína, e em menos de uma hora já tinha bebido meia garrafa e cheirado todos os pinos que havia pego. Estava mesmo mal.

A noite estava suave, não haviam muitas entregas, mas aquela única havia me fodido os culhões. Precisava chapar naquela noite. "Vodka e coca...ina, isso sempre me ajuda" pensava e mandava mais uma linha.

- Cê tá bem Carlos? - perguntou Papapó
- Não, tô um lixo cara, tô me sentindo uma merda. - respondi chapado
- Pega aqui, por conta da casa.

Ele me estendeu a mão. Tinha umas 3 pedras de crack e um cachimbo caseiro, feito com um cano de metal. Eu na real queria que tudo se fodesse, peguei o cachimbo, coloquei as pedras dentro. Nunca havia usado crack, mas havia sido um dia hard, tava precisando daquilo.

Acendi o cachimbo, deu umas boas duas ou três tragadas na pedra. Primeiro, a sensação foi boa, me senti bem, flutuando muito, em outro planeta mesmo. Acendi de novo, deu outras duas ou três tragadas na pedra. Bateu errado. Joguei o cachimbo no chão. Eu deitei no chão e comecei a rolar, sentia como se milhares de pregos entrassem na minha cabeça e picassem meu cérebro. Rolava de dor, a dor era muito forte mesmo. Sabia que estava numa bad trip. Não lembro de muita coisa, só sei que no dia seguinte acordei no sofá da casa do Papapó. Agradeci a Deus por não ter morrido e nunca mais me meti com pedras.

Zaratustra



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