segunda-feira, 1 de abril de 2013

A ligação da ex-mulher



Era mais uma agradável tarde de terça-feira em que eu estava desempregado. Vivia no seguro desemprego, chupava as tetas do governo e pegava parte dos meus impostos de volta, fora andar de metrô e trem de graça, o que era sensacional. Bebia umas brejinhas, estava de boa, assistia o programa da Sonia Abrão, ela falava de alguém que tinha morrido e entrevistava a mãe do Fulano, e a mãe chorava pra caralho. Não sei o motivo de assistir tragédias, mas estava de bem com a vida, bebendo e fumando uns cigarros, com as pernas esticadas no sofá e relaxadas.

O telefone insistia em tocar. Inicialmente eu não atendi, mas ele não parava "que inferno, que inferno! maldito telefone que me fode!" Tomei coragem e fui atender.

- Alô.
- Por favor o Sr. Carlos Reis.
- Pois nãããããooo - saquei o que era, os malditos telemarketers
- Falo em nome do banco Itaú sobre uma pendência no seu nome. O Sr. tem ciência dessa pendência? - ela perguntou maquinalmente.
- Sim caralhos, claro que sim!
- Existe uma data prevista pra pagar?
- Sim! No dia em que eu tiver dinheiro porra! - gritei e bati o telefone na cara da menina.

"Porra, que mané pagar dívidas, vou comprar bebida que eu ganho mais", estava voltando pro sofá quando o telefone insistiu em tocar novamente.

- Alô.
- Por favor o Sr. Carlos Reis.
- Ele faleceu meu anjo, faz mais ou menos 30 segundos, tá caído aqui no chão da sala. Quer deixar recado? Entrego quando eu encontrar ele no inferno.

Ela ficou em silêncio. Eu desliguei o telefone e sai rindo da situação toda "hahaha, tomara que tenha aprendido a lição, aquela puta" mas isso não havia estragado meu dia, peguei minha breja, dei mais uma golada e o telefone tocou novamente. Praguejei os atendentes telefônicos, sei que eles não tem culpa disso, eu mesmo já trampei com isso, mas que raça dos infernos!

- EU JÁ DISSE QUE NÃO TENHO DINHEIRO PORRA! - atendi já gritando.
- Errr... É o Carlos? - uma voz feminina perguntou.

Reconheci aquela voz. Era minha ex-mulher Alice. Faziam dois longos anos que não nos falavamos, ela havia levado tudo o que tinhamos, todos os móveis, a vaca levou até meu video-game, só me deixou com minhas roupas e um pouco de amor próprio.

- Sim... Alice? - perguntei
- Isso, é a Alice... Quanto tempo ein hahaha
- Que que você quer? - não queria muito papinho.
- Liguei só pra saber como você está Carlos... Meus contatos me disseram que você tá bebendo muito, é verdade isso?
- Peraí! Como você conseguiu meu telefone?
- Tenho meus contatos... - ela disse com ar de mistério.

"Caralho, eu tenho um amigo Judas... Preciso averiguar isso depois" pensei com uma raiva fodida do filho da puta que passou meu telefone pra essa puta.

- Ok, eu descubro quem foi o filho da puta depois... Repito: o que você quer?
- Nossa, continua o mesmo idiota grosseiro de sempre! Quero saber como você está, temos que superar o que passou, quem sabe possamos ser amigos?
- HAHAHAHAHAHAHA - ri alto pra caralho - Nós amigos? Isso nem fodendo, NEM FODENDO Alice, na real eu quero muito que você se foda. - respondi, pensando em desligar aquela merda, mas desisti.
- Bom, você ainda é imaturo, como sempre te disse... Mas e o trabalho, como vai?
- Tô desempregado, vivendo de seguro.
- E seus amigos?
- Tão bem, a gente sai pra beber às vezes.
- E... cê tá namorando?
- Não, somente transas esporádicas com mulheres bêbadas que não lembram de nada no dia seguinte.
- Tsc tsc tsc Carlos, você tinha muito potencial, para de jogar tudo isso fora. Eu tô noiva e acabei de ser promovida. - ela disse só pra me foder, certeza.
- Bom pra você! Quando casar cê já tem os móveis né? Ou você vendeu tudo pra comprar cocaína?
- Seu estúpido, eu parei com isso... E meu noivo tem um bom dinheiro, ele que vai bancar tudo. E quando você vai parar de beber pra caralho e tomar um rumo? Você tem 26 anos, logo logo vai casar, ter filhos, precisa de uma segurança financeira.
- Caralho Alice, vai se foder! Eu não vou casar, muito menos ter filhos. Posso não ser rico, mas gasto meu dinheiro todo com bebida e me sinto bem assim.
- Você vai acabar morrendo cedo, duro e sozinho!
- Foda-se! - ela havia me irritado profundamente - Eu estava de boa em casa, bebendo brejas e vendo a Sonia Abrão, fumando um bangzinho suave, mas você insiste em querer me deixar pra baixo, assim como nos velhos tempos! Eu não tinha motivo pra tomar um porre hoje, mas parabéns, agora eu tenho, sua vadia sanguessuga do caralho!
- Grosso! Tomara que você se foda mesmo, aliás, certeza que isso vai acontecer! E digo mais...

Nesse momento desliguei a porra do telefone, eu não era obrigado a ouvir aquela merda toda dela. Eu ia ficar em casa de boa, ia assistir minhas tragédias na maciota, mas ela tinha que me foder, tinha que me fazer sentir mal. Resolvi que ia tomar o porre do século naquele dia, precisava dar um jeito naquela raiva misturada com tristeza. Enquanto me arrumava pra sair o telefone não parava de tocar. Quando estava pronto peguei uma lata de breja, acendi um cigarro e saí de casa sem saber exatamente aonde iria, mas com vontade de sobra de beber. Fechei a porta, traguei meu cigarro e pensei "vagabunda sanguessuga!"

Zaratustra


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