quarta-feira, 10 de abril de 2013

Uma obra-prima rejeitada!



Tava um frio da porra, e eu vi que já era de noite, quando abri os olhos com aquela dor de cabeça fodida dos infernos. Minhas costas também doiam pra caralho "excelente Carlos, excelente, dormindo no chão de novo!" resmunguei e com muita dificuldade me levantei, cocei o cu, fui rastejando em direção à cozinha, chutei uma garrafa vazia de vodka que estava no chão, praguejei, meu dedinho doeu também na hora. Olhei o relógio, ele marcava 18h27, eu tinha que correr, tinha uma reunião marcada com meu agente.

Naquela altura eu era um escritor em decadência, tinha já 29 anos e só um livro de grande sucesso, intitulado "Flores de inverno" Era um romance idiota, desses que vendem, romântico pra caralho, e as minas gostaram. Na época eu fodia muita mina e ganhei um bom dinheiro, mas ultimamente eu havia mudado meu estilo. Tinha uma obra-prima, mas era extremamente suja, recheada de palavrões e perversões sexuais, mas era o que eu vivia, e o que eu gostava de escrever. Enfim, estava falindo, no ínicio eram vodkas caras e whiskys, agora era Balalaika e olhe lá!

Tomei banho, me ensaboei duas vezes, faziam uns 4 dias que eu não tomava banho "pra que tomar banho se não vou sair de casa né?" e estava com a pele oleosa e tinha uma crosta de sujeira. Saí de lá regenerado, estava beeem limpo. Coloquei uma camisa velha do Iron Maiden, dos tempos de adolescência ainda, um tenis surrado e uma calça jeans, igualmente surrada. Fui na geladeira, peguei uma breja, acendi um cigarro e saí de casa, em direção ao boteco Esquema. Isso já eram 19h, estava atrasado.

Cheguei no local, avistei de longe meu agente puto, provavelmente com o meu atraso... Mas eu estava de boa, somente 32 minutos atrasado. Sentei, acendi um cigarro e tomei a dose dele, desceu como vodka mas eu sabia que era rum. Olhei pra ele e o cumprimentei.

- Bom dia mano...

Ele me olhou de forma perplexa, parecia não acreditar no que via.

- Carlos, tá foda. Cê nem me cumprimenta e já te vejo com um cigarro na mão e virando uma dose de rum. Fora que parece que você acabou de acordar, está com uma cara horrível.
- Fumei porque sou fumante, bebi porque sou alcoolatra e se você não gosta da minha cara, me paga uma plástica chuchu - sorri canalhamente e passei minha mão no queixo dele.
- Cê tá um traste, por isso que tá em decadência! Precisamos de um novo "Flores de inverno", precisamos fazer dinheiro! Para de beber tanto e começa a escrever como um profissional, ao invés de só groselhar por aí! - ele estava mesmo puto com tudo.
- Calma, mano... Calma. E aquele livro que eu passei pra você? Aquilo é uma maldita obra-prima! Já começa pelo título "Entre HPVs, vodkas baratas e drogas" - dei um gole que matou a dose de rum.
- Ahhh sim, isso vende pra caralho né?! É claro que esse lixo que você chama de livro foi rejeitado né Carlos! O que vende é amor, paixão, suspense... Os best-sellers estão falando de mulheres carentes que se apaixonam por caras ricos, e você no seu lixo, que você chama de livro, só fala de noitadas com putas, porres de vodkas, vômitos e drogas... Tem um conto que cê fala que cheirou fluoxetina! Porra!
- É ficção mano, essa com certeza é (apesar que nem tudo era mentira no livro, mas isso era!). Ou, as pessoas tem que abrir mais a cabeça! - traguei o final do cigarro e pedi pro garçom uma dose de vodka pura, da mais barata claro.
- Carlos, imagina um adolescente, imagina se um adolescente compra seu livro. Um rapaz de 16 anos, que está naquela fase difícil da vida - o garçom interrompeu, serviu minha dose - ele vai ler essa merda e vai fazer tudo o que você fala na porra do livro. Imagina os processos! - ele levantou as mãos de perplexidade.
- Bom, os pais que cuidem dos filhos! - bebi a dose e acendi mais um cigarro - Eu não vou escrever de outra coisa, que se foda. Eu escrevo a minha realidade, não vou mudar meu estilo de escrita pra agradar as pessoas e ficar rico!
- Ok, foda-se! - ele se levantou - Quer saber, você que se foda, uma hora vão te encontrar morto no seu apartamento, uma vez que você se isolou e só bebe o dia todo, e eu não ligo, cê tá buscando isso. E tá aqui dinheiro pra pagar a conta, seu traste!- ele jogou uma nota de vinte e uma de dez reais em cima da mesa e saiu.

"Cara estressado", pensei, jogando a fumaça azulada pra cima. Sim, eu não estava rico, mas ainda vendia alguns textos sujos e ainda tinha dinheiro guardado do "Flores de inverno" (pra ver como aquela merda vendeu). Terminei minha dose de vodka, paguei a conta, ainda me sobraram 6 reais. Aproveitei e comprei mais um maço de cigarro e fui pra casa, abrir mais uma garrafa e tomar mais um litro no decorrer daquela madrugada.

Zaratustra

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