segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A visita da ex-mulher



Parecia que sempre que me preparava pra algo bom, algo ruim acontecia. E não é que naquela tarde de domingo não tinha sido diferente? Pois bem, eu já havia corrido por uma hora, caminhado mais uma, feito umas flexões e uns abdominais, tomei banho, coloquei um shorts sem a cueca, me senti confortável. Liguei o som, coloquei o album Animals do Floyd pra tocar, preparei um chá de erva-cidreira, acendi um incenso de limão e bolei um baseado. Quando eu ia acender, eis que a campainha me irrita com seu barulho infernal

BRIM! BRIM! BRIM!

- Já vou! - gritei - Caralhos, viu! - falei baixinho.

Escondi o baseado na gaveta, deixei minha xícara de chá descansando na mesinha de centro da sala e fui atender a porta. Quando abri me deparei com uma mulher que não queria exatamente ver.

- Oi Alice, que surpresa! - eu arregalei os olhos em espanto.
- Oi Carlos, tudo bom?
- Tudo ótimo, e com você?
- Também, também, tudo indo... Posso conversar com você um minuto?
- Claro, pode sim, entra por favor - fui solícito e deixei ela entrar, conduzindo ela pro sofá.

Alice era minha ex-mulher. Começamos a namorar ainda aos 15 anos, éramos duas crianças, o namoro foi evoluindo, as brigas foram começando, o namoro acabou, voltou, acabou de novo e voltou de novo. Casamos, deu uma ajudada, transavamos todos os dias (precisa de mais coisa pra fazer um homem feliz?) e por isso que ia bem. Mas casamento é foda demais, eu comecei a beber pesado, as brigas ficaram recorrentes e o fim foi inevitável. De ínicio tive raiva dela, mas agora eu havia superado, e quando vi ela na minha porta não me bateu vontade alguma de voltar com ela, mas também não me bateu raiva pelo nosso passado, apesar de que no divórcio ela levou tudo, me deixou com algumas roupas e dez por cento do meu amor próprio.

- Cê quer alguma coisa, um chá, uma água, um suco?
- Quero não Carlos, valeu... Fiquei sabendo que você parou de beber. Fico feliz por isso, de verdade. Acho que você merece ser feliz no fim das contas. - ela disse, sorrindo e me olhando no fundo dos olhos.
- É verdade, diminui com o alcool em pelo menos oitenta por cento, estou muito feliz e confiante mesmo, obrigado! - eu disse, com uma cara assim ^-^ - Mas me diga, porque você veio aqui? - perguntei, quando já tocava a música Sheeps (uma das minhas favoritas do Floyd)
- Então, o que acontece... O Alê, meu marido, me chutou de casa, e pior ainda, ele me chutou com o nosso filhinho, que acabou de fazer um ano. Desculpa chegar assim, mas você é o único que me resta a recorrer, minha familia sumiu, e você sabe que nunca fui boa em fazer amigos... Me ajuda, estou desesperada - nisso percebi os olhos dela marejarem.

Olhei pra ela, pensei, e não sei se isso é bom ou ruim, mas apesar de não ter raiva nenhuma dela, eu também não tinha compaixão alguma, portanto as lágrimas dela em nada me afetaram.

- Olha Alice... - respirei fundo e prossegui - Olha Alice, você é uma mulher bacana, acho que cresci demais enquanto estavamos juntos, mas infelizmente não posso te ajudar. Acho que você escolheu o seu caminho, e devia saber as consequências dele. Me desculpe mesmo...

Os olhos, que já estavam marejados, deixaram uma lágrima desabar, não me senti confortável com aquilo, mas ela tinha que saber que não podemos mais ter um relacionamento, o nosso tempo já havia passado e estava na hora de cada um se virar sozinho no mundo.

- Agora eu preciso que você vá embora, tenho muito a fazer ainda hoje - me levantei e conduzi ela à porta.

Ela não disse nada, somente chorava, me olhava bem lá no fundo e chorava, mas resisti bravamente, e quando tranquei a porta respirei fundo... e respirei fundo mais uma vez... Agora tocava Dogs, é uma bela canção, tem longos dezessete minutos. Voltei pro chá, o incenso ainda impestiava o local com seu aroma cítrico. Peguei meu baseado na gaveta, acendi, traguei, coloquei no canal japonês, dei umas risadas com as coisas non-sense que eles produzem. Realmente eu tive uma excelente tarde! Quanto a Alice, infelizmente não sei falar se ela pode dizer o mesmo...

Zaratustra

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