quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Dois reais e quatro doses de Corote



O que eu achava legal naquele dia em que eu não podia beber, era o fato de que eu queria me matar, somente isso. A corda já não era algo tão ruim de se imaginar, e eu nem ouvia mais as músicas pra me animar. Simplesmente pensava que eu queria algo novo, eu queria ter o poder de mudar coisas que jamais mudariam, eu queria poder beber mais sem ficar tão bêbado a ponto de fazer um monte de merda na rua ou na internet. Mas eu sabia, sim, somente eu sabia que isso não aconteceria tão cedo, e o que me restava quando fui obrigado a estar sóbrio, era somente tentar analisar as coisas de forma fria e sem um desejo suicida dentro.

Peguei pra sair naquele dia, o sol estava de rachar, mas foda-se, eu estava mesmo inquieto e sem uma bebida na geladeira. Os tempos estavam dificeis, estava quase passando fome, as bebidas haviam indo embora, as vadias também, eu finalmente havia perdido tudo, eu fatalmente acabaria numa sarjeta, com os dentes podres e pegando latinhas pra poder bancar o meu Corote de cada dia, pedindo comida pra estranhos que estivessem dispostos a me dar os seus restos. Era visivelmente deprimente o meu estado, mas eu não conseguia lutar contra isso, eu resolvi me entregar, me entregar a um caminho que não me levaria a nada e nem a lugar nenhum. No meio do caminho vi uma senhora passando, ela parecia ser bem gentil, pedi umas moedas pra ela, ela me deu uma nota de 2 reais sem nem me conhecer, e isso foi bem legal. Parei no boteco mais próximo, estava até que bem animado pra uma quinta feira a tarde. Os tiozinhos jogavam dominó e tomavam cerveja Cristal, tocava o som do bom e velho Amado Batista, haviam alguns velhos sentados no balcão... Puxa vida, a vida parecia ainda ter algo de divertido. Eu não tinha muito dinheiro, mas sabem como é, nesses bares acabamos nos tornando amigos. Todo boteco é uma família. Por isso que os maridos deixam de ir pra casa após um dia de trabalho pra irem pra lá. Não é questão de beber, é questão de se sentirem bem lá. Em casa só existem problemas. A esposa reclama das contas, tem ainda os filhos que enchem o saco, pedem coisas pra caralho, querem atenção, e sim, ainda tem que assistir a novela com a esposa, porque ela é burra e noveleira. Gente noveleira merece morrer, novela emburrece. Pois bem, os maridos vão pros seus empregos e a noite querem sossego, e o boteco tem isso. Mas enfim, era quinta a tarde, sentei no balcão do boteco, coloquei uma nota surrada de dois reais sobre a mesa e disse:

- Me vê a felicidade mais barata que você tem ai.

Ele riu da minha cara, pegou uma garrafinha de corote, virou uma dose no copo e disse:

- São cinquenta centavos a dose.
- Pega logo os dois reais, vou querer quatro doses então.

Ele pegou a nota, colocou no bolso e enxugou a testa com uma toalha encardida que ele carregava nos ombros, eu ri, peguei a dose e virei tudo numa única talagada. Senti descer rasgando, senti um pouco de tontura de forma imediata, ela sempre bate com uma força fodida no teu fígado. A careta acaba sendo inevitável, mas quando não se espera mais nada da vida, um drink pesado é até que bem tranquilo. Um senhor do meu lado estava tomando pinga com limão, me olhou tomar aquilo e perguntou:

- Você é tão jovem meu filho. Não entre nesse caminho não.
- Vai se foder, seu velho filho da puta! - eu retruquei com o dedo em riste.
- Quantos anos você tem? - ele perguntou de forma tão serena, pareceu que nem me ouviu.
- Vinte e um - eu disse, pensando que se ele não se exaltou, eu também não vou me exaltar.
- Meu Deus. A geração de hoje está perdida - ele me disse, virando em seguida sua pinga com limão.
- Pois é, a vida me fode, portanto eu fodo com a minha vida, e assim tudo parece fazer mais sentido - eu disse, já pedindo a minha segunda dose de Corote pro "garçom" (o cara que servia as doses ali caralho, não sei como definir ele).
- Sei como é meu filho, sei como é...

Peguei minha segunda dose e virei com tudo. Me sentia mais feliz assim, eu já podia beber naquela altura, e isso estava me deixando feliz. A felicidade muitas vezes é encontrada no fundo de uma garrafa, ou de um copo. As pessoas não podem te fazer felizes. Elas te manipulam e te usam, e quando você menos espera... BANG! Vem alguém e te fode sem pensar. Eu estava conversando com um amigo outro dia, ele tinha a minha idade e aceitou morar com uma mulher mais velha e com dois filhos, eu realmente não entendia os colhões de alguém que se disponibiliza pra esse tipo de merda. Parece que quanto mais a vida tenta te ajudar, mas as pessoas fazem questão de destruir ela, e isso que ele estava fazendo. Pagar contas, ter filhos, uma casa, pensar em crescer, ter um carro, trabalhar muito, fazer prestações com coisas inúteis... Hahahaha eu ria sozinho enquanto pensava nisso. Meu dinheiro eu gastava com alcool, e assim me parecia muito bem. Já comprei notebooks, roupas, chocolates caros, livros e uma infinidade de coisas pra uma mulher que no fim das contas chutou meu rabo sem perguntar se eu estava feliz com isso. É foda. A vida estava sendo mesmo injusta comigo, e eu reparava que não me restava muito tempo aqui na Terra, eu reparava que tive tudo e de uma hora pra outra perdi tudo. O correto era tentar me reerguer, mas eu era preguiçoso demais pra esse lance de felicidade, o que eu queria mesmo era morrer lentamente, assistir a vida passar de uma forma mais rápida, e isso o alcool me proporcionava.

"Por Deus, como estou pensativo hoje! Que merda!" Pensei e ri sozinho novamente. O dia estava passando mais rápido, e meu estômago estava fazendo barulhos como se anunciasse uma daquelas cagadas tensas, mas era somente um alarme falso, ele devia estar somente reclamando do Corote que eu tomei. Mas eu não estava disposto a parar com isso, eu queria mais é que tudo se fodesse, eu queria quebrar copos na parede e xingar as mulheres que me chutaram, e cuspir no chão, e mijar nas portas das igrejas, e peidar na cara das pessoas que eu não gostava.

Peguei minha terceira dose, eu virei com tudo de novo, olhava os tiozinhos jogando dominó, e pensei que as pessoas são felizes com muito pouco. O lance é que a vida não me proporciona o que eu quero, a vida te restringe demais, eu queria mais, eu queria algo maior, e eu pensava que somente após a minha morte eu teria uma chance de alcançar isso. Pensamentos suicidas nunca são bons, mas ver que antes as mulheres te chupavam, ver que antes eu bebia whisky, ver que antes eu tinha status social, e perceber que de uma hora pra outra eu perdi isso tudo, sim, perdi tudo, não tinha dinheiro pra comprar um pãozinho francês, voltei a morar com a minha mãe, que detalhe, era longe pra caralho de todos os lugares importantes, perdi meu emprego que me dava status, e mulheres? Mulheres muito menos! Pra você ter uma mulher, você tem que ter no mínimo o dinheiro pra pagar uns drinks pra ela, pra fazer uma social com os amiguinhos dela, pra ela mostrar pras amigas e falar "Vejam o homem que eu tenho! Vejam como ele é foda!", além de carro, planos e futuro, e tudo isso, naquele momento, eu não tinha. É a vida estava me batendo e eu nada fazia de volta.

Minha quarta dose eu peguei num copinho de plástico, pronto, eu estava bêbado pra ir bebendo ela no caminho de volta, e dessa vez eu beberia aos poucos. O sol ainda estava alto, me mostrava imponência enquanto o que eu tinha era somente impotência, eu era o traste, o mau exemplo, o cara que não se barbeia e nem corta o cabelo, o cara que não escova os dentes e está pouco se fodendo para o que a sociedade dos dentistas pensam sobre a saúde bucal. Sim, eu estava predestinado a morrer cedo, mas isso não me incomodava. A vida pra mim era uma roleta russa diária, em que eu não sabia quando a bala iria me acertar, mas eu sabia que sim, existia uma bala e essa bala iria me foder em algum momento com certeza. A tristeza não estava presente naquele meu momento de ebriedade, mas esse lance de pensar estava me fodendo demais, eu não poderia pensar tanto assim, eu tinha que mandar tudo se foder. Virei a quarta dose, deitei na calçada e acabei pegando no sono. Fodam-se os pensamentos, eles estavam me irritando demais.

Zaratustra

2 comentários:

  1. Você é mesmo um gênio e tem material o suficiente pra publicar. Faça isso em vida ainda e com sorte terá algum reconhecimento... um amigo meu de BH vive bem vendendo sua publicação independente no metrô.

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