domingo, 29 de dezembro de 2013

A proposta e copos vazios



Eu já estava de fora da jogada faziam alguns anos, eu não queria mais um estilo de vida desafiador como vivi um dia (e digo que sim, foi intensamente), eu queria um pouco de paz e sossego. Esse lance de traficar drogas nunca é bom, é como no filme do João Estrela, você começa usando por si, e quando menos percebe está distribuindo pros amiguinhos, e depois você vê que pode ganhar dinheiro com isso, e aí ao invés de cobrar o preço que você pagou, você cobra mais caro, você faz dinheiro com aquilo tudo. Eu já ganhei muito dinheiro em cima de pequenos nóinhas que se julgavam os grandes mestres da coisa toda, mas que eu sabia que eram somente filhinhos de papai, eu sabia que era somente isso. Hahaha, cheiradores de merda, mal sabiam o buraco em que eu os estava colocando. Mas isso foi passado, eu estava regenerado, estava tranquilo novamente, eu havia recuperado meu emprego, eu havia chego de novo num paraíso montado somente por mim, e eu era o rei dali sem prejudicar ninguém. Um trabalhinho honesto e que pagasse minhas contas e meu alcool era o necessário para a minha felicidade, nem mais e nem menos do que isso. Quanto mais dinheiro se tem, maiores serão os problemas. Merda. Mas enfim, como eu dizia, andava de fora da jogada, e estava bem assim.

O sol já dava sinais que ia embora, ele estava encoberto com as nuvens e a imagem disso era realmente linda, e mais linda era a imagem da minha primeira vodka caindo dentro do copo, possuindo-o, tomando posse de toda a sua área. Havia chego do trabalho faziam alguns instantes, e de praxe eu tomava vodka, isso não era facultativo, isso era rotineiro. Não que fosse obrigação, mas uma boa dose de vodka por vezes é a nossa última compania, é a última coisa que ainda aguenta nossas conversas chatas e nossas gritarias às 3h da manhã. No momento em que dei a primeira golada me senti mais vivo. Nesse momento a campainha tocou.

- E aí Carlos, como cê tá cara?
- E aí Fernando! Quanto tempo cara hahaha - dei um abraço nele - entra aí mano.

Fernando entrou, se sentou no sofá. Servi outra grande dose de vodka pra ele, me juntei a ele no sofá, cada qual com sua esposa, digo, sua vodka. Fernando era um sujeito que se meteu na jogada das drogas comigo. Éramos amigos, usavámos juntos, começamos a ganhar dinheiro juntos. Quando eu saí do negócio (o que fazem 4 anos), ele continuou tocando sozinho. A renda era boa o suficiente pra ele manter seu vício, e eu, numa tentativa de não me afundar mais, preferi meu empreguinho pacato. Desde então, eu não falei mais com ele, nada pessoal, apenas não tínhamos o mesmo assunto e o mesmo estilo de vida. Às vezes as pessoas são "obrigadas" a se separarem, uma vez que as discrepâncias de uma pessoa pra outra são fortes demais, discrepâncias essas adquiridas com o tempo. E somente o próprio tempo pode reaproximar ou não essas pessoas. "Acho que o tempo foi generoso comigo", pensei e ri sozinho, entornando mais vodka, e feliz por ter visto aquele filho da puta miserável.

- E aí seu merda - perguntei dando um tapinha carinhoso no ombro dele - como vão as coisas? E os negócios?
- Então cara, foi justamente por isso que eu vim aqui. Preciso falar de negócios com você.
- Pois então fale, desembucha seu puto de merda.
- Os negócios estão crescendo de forma rápida. Aquela nossa pequena ideinha de uns 7 anos atrás está rendendo bons frutos, e quando digo bons frutos, me refiro à minha residência na praia, ao meu carro importado e às todas as putas que tenho comido sem pagar nesses últimos tempos.
- Porra, que bacana cara, que bacana. Espero que você encha o cu de dinheiro.
- Sim, e me sinto mesmo mal de te ver aqui, nesse ap de um quarto, sem carro na garagem e sendo obrigado a trabalhar malditas 10h ao dia. Cara! Era pra estamos os dois agora na praia, fumando charutos, bebendo whisky e pegando na bunda de alguma garçonete que faça um bom boquete. Mas ao invés disso, você está aqui, fumando Derby, bebendo vodka Moscovita e o mais perto de um boquete que tu vai chegar é se colocar o aspirador no pau. Você está mesmo feliz com isso?
- Ahh cara, eu estou sim. Claro, a época em que fomos ricos foi muito boa, vivi intensamente muita coisa. Foi bacana. Mas agora é necessário pensar de uma forma menor. Vodka me satisfaz de qualquer jeito, cara ou barata, e com as baratas eu desmaio mais rápido, o que pra mim é bom. Cigarros são cigarros e foda-se. Quanto ao boquete, eu posso viver sem. E curto meu empreguinho, mesmo sendo 10h ao dia, ele paga as minhas contas e minha vodka, e isso que importa.
- Saquei, saquei - ele disse, já mais desanimado - então, a questão é que os negócios estão crescendo, eu preciso de um sócio, somente isso. E nesse ramo tem cobra pra caralho - ele emborcou um pouco de vodka - Isso pra mim é mesmo dificil. Na real, o único cara que eu confio de verdade, e que sempre confiei de verdade, foi você. Por isso eu não só quero, como preciso que tu volte aos negócios. Como nos velhos tempos hahaha - e nisso foi ele que me bateu nos ombros, de forma carinhosa.

O olhei de forma compenetrada. A minha vodka havia sido emborcada enquanto ele se pronunciava, meu copo estava vazio. Odeio ficar com o copo vazio na mão, parece que estou sem um pedaço do meu corpo. Pensei bem, lembrei dos bons tempos, sim, a vida como traficante era muito boa. Haviam riscos sim, mas valiam a pena. Todos eles. O esquema era viver a vida a 160km/h, e isso que faziamos. Foi muito bom. Mas eu estava feliz na minha vidinha pacata, eu estava satisfeito. Oras, eu não iria trocar o meu presente pelo meu passado, parece retrocesso.

- Desculpa cara, sei que somos como irmãos, mas lhe digo: estou satisfeito mesmo com isso tudo que você vê. Uma garrafa de vodka me satisfaz mais do que o beijo de uma vadia. Tu sempre soube disso... - fiz uma pausa, olhei pro copo vazio, "merda", pensei, "odeio mesmo copos vazios". Retomei - Enfim, eu não posso voltar ao esquema. Me desculpe mesmo.

Ele olhou pro copo dele, que ainda estava com vodka, virou todo o conteúdo, "merda, agora são DOIS copos vazios!" pensei eu, todo macambúzio com esse negócio besta de copos vazios.

- Beleza Carlos. Acima de tudo você é meu irmão, e quero você feliz, mesmo que pra isso tenhamos que ficarmos separados nos negócios. Tenho certeza que vou achar outro profissional como você - ele lançou o discursinho mais gay que ouvi na vida, mas ainda assim bonitinho.

Levantamos, ele colocou o copo vazio na mesa da cozinha, eu tratei de encher logo o meu copo e o dele. Pronto, menos um problema, os copos estavam cheios de novo. Respirei fundo e aliviado. Levei ele à porta da sala, feliz com a proposta, mas triste por ter decepcionado esse grande amigo. Ele superaria. Depois que ele foi embora tratei de esvaziar os copos novamente, só pelo prazer de falar que odeio eles vazios.

Zaratustra

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