terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Carta de suícidio



Não precisava de muita coisa naquele dia, eu sempre me virei muito bem, eu sempre tive muito potencial, eu fui sem ter sido, era pra que eu fosse um sucesso, mas eu simplesmente joguei tudo pela janela, eu queria mais, mandei todos à merda. Não precisava de família, não precisava de amor ou de carinho, ou de mulheres e namoradas. Precisava somente de uma pessoa para conversar, por vezes conversei com moradores de rua, enquanto bebíamos Corote numa avenida poluída às 7h da manhã de terça-feira. Droga. Eu era um carente do caralho, eu bebia demais, eu tinha algumas reuniões com as pessoas comuns, mas o cheiro de alcool no meu corpo era forte demais pra isso tudo, eu transpirava cachaça. Era Natal, meus amigos me telefonavam, eles teriam filhos, e esposas e vida, e casas, e empregos, e dentes brancos e fins de semana em suas casas de veraneio, e chefes e secretárias vadias, que lhes chupariam os paus em busca de promoções. Eu não teria nada disso, fui um plano que não deu certo, eu nem lutava mais, eu tentei e falhei. Tive potencial pra ser um dos bons moços que fazem a barba a cada dois dias, mas ao invés disso, resolvi me tornar um alcoolatra solitário. A amizade pra mim já era algo raro, tinha poucos que me ouviam, eu só queria isso, ser ouvido, debater textos e beber até desmaiar, mas como? Isso era utopia, assim como era utopia a felicidade, o amor e a segurança, e os dentes limpos, e os corpos saudáveis, e as cagadas que eu fiz seriam irreversíveis, somente isso. Não tinha ânimo pra muita coisa, mas enquanto eu bebia vodka naquela véspera de feriado, olhei meu guarda roupa, lá eu tinha uma corda, eu havia tentado morrer muitas vezes, mas eu, com a corda, estaria morto com certeza. Não era um plano a longo prazo, a data do meu suícidio estava marcada, eu pediria desculpas às pessoas que eu magoei, mas falaria que ninguém tem culpa de nada, ninguém fez nada de errado. A morte era minha escolha, eu queria morrer aos 23 anos, era uma boa idade. Tinha um pequeno caderno em que haviam textos secretos, eles seriam publicados, e aí sim entenderiam meu ato.

Mas naquele Natal eu fingi estar tudo bem, me levantei, peguei a vodka, tentei ter vida social, tentei ser um bom sujeito, mesmo que por instantes. Lavei o rosto, tomei banho, fiz a barba, vi as pessoas com um futuro pela frente e me senti mal pelo suícidio que estava já com data marcada. Não chorem por mim, não chorem. Afinal, vidas existem várias, uma hora vocês me esquecem.

Zaratustra

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