sábado, 17 de agosto de 2013

Tudo foi racionalmente calculado meu amigo...



Eu era tudo aquilo que eu podia ser naquele exato momento. Estava mesmo no auge, estava "na crista da onda" como dizem. Estudava a arte da sedução como se fosse uma maldita matéria para o vestibular, meditava, tomava chás, tocava gaita e estudava a bolsa de valores, além dos exercícios físicos, que ufa, esses me pegavam mesmo, me sentia extremamente cansado. Isso me fazia dormir melhor, tinha um fôlego maior e além de tudo não bebia mais todos os dias, estava bebendo bem menos. Me dedicava às garotas e à mim mesmo, e tudo parecia ir muito bem naquela altura da minha vida.

Meu apartamento havia se tornado um reduto para os degenerados. Sim, o que eu mais tinha eram amigos degenerados, os que ainda se afundavam em alcool e em cocaína e queriam sair dali, como eu havia saído. Ahhh, e fora meus amigos que eram viciados em remédios controlados, esses também me preocupavam, afinal, uma overdose dessa merda só dependeria deles, e a mim restaria encontrar o corpo jogado em cima da cama sem ouvir a respiração, e o caos da ambulância chegando, e só de pensar nisso já me batia um desespero. Pois bem, exatamente por isso, todos que quisessem chegar à minha humilde residência para conversar, pedir conselhos ou simplesmente desabafar eram bem vindos. E naquela tarde fria de quinta-feira, em que eu relaxava tomando um chá de capim cidreira, me bateu à porta o Augusto, sim, aquele mesmo dos tempos de noitadas. Ele estava um caco, a roupa estava encardida, a barba mal feita, o cabelo despenteado e as olheiras de quem não dormia direito desde o ínicio de sua maldita existência. Ele era um cara comum, nem muito bonito, nem muito feio, mas aquela sua situação atual desmoralizaria qualquer auto-estima.

- Posso entrar Carlos? - ele me perguntou com os braços em volta do corpo, apreensivo.
- Claro que sim mano, entra ai - fiz um gesto convidando-o a entrar.

Aí que ele sentou no sofá, eu ofereci um chá pra ele, ele não aceitou. Me sentei, continuei bebendo de forma bem tranquila mesmo. Ele me olhou por alguns instantes e lançou

- Qual foi a sua mágica Carlos? Que droga que cê tá tomando? - ele me perguntou com os olhos completamente arregalados.
- Não existe mágica, e você sabe disso... Tudo foi racionalmente calculado meu amigo... Tudo está na ponta da caneta, eu pensei DEMAIS pra ter os resultados que estou tendo.
- Pois bem, me explique então.

Augusto parecia estar bem fodido, e eu não me importava de partilhar a minha fórmula com os outros, então resolvi abrir pra ele o que eu fiz.

- Então mano, seguinte. Primeiro de tudo, você tem que querer mudar o seu antigo eu, você tem que estar completamente cansado de ser o traste degenerado que você é atualmente. Sem essa força de vontade, você sabe que não vai rolar. Vou mostrar pra você os escritos que eu fiz, talvez assim fique mais fácil de entender.

Peguei uns papéis que estavam na gaveta do armário da sala. Coloquei em cima da mesa.

- Veja bem, coloquei num papel todos os meus problemas que o alcool e as drogas sanavam, e a partir daí busquei alternativas

ALCOOL: AUTO-ESTIMA
                  INSÔNIA
                  ANSIEDADE
                  CANSAÇO
                  ESTRESSE
                  SOCIABILIDADE
                  SOLIDÃO
                  TÉDIO

- Esses que eu pontuei - prossegui - são só os mais importantes pra mim. Existem muitos outros, mas pensei em arrumar esses primeiros. Ai pensei num papel o que resolvia cada um desses problemas. Houveram tentativas, acertos e erros, mas no fim cheguei nessa conclusão.

AUTO-ESTIMA: EXERCÍCIOS FÍSICOS, CUIDAR MAIS DA APARÊNCIA, APPROACH NAS GAROTAS
INSÔNIA: CHÁS DIVERSOS
ANSIEDADE: MEDITAÇÃO E TAMBÉM OS CHÁS
CANSAÇO: MEDITAÇÃO
ESTRESSE: MEDITAÇÃO, CHÁS, EXERCÍCIOS FÍSICOS
SOCIABILIDADE: PROCUREI SAIR MAIS COM PESSOAS E FICAR MENOS TEMPO               SOZINHO
SOLIDÃO: SAIR MAIS COM PESSOAS E MANTER A CABEÇA OCUPADA, ALÉM DE PRATICAR APPROACH NAS GAROTAS
TÉDIO: COMECEI A ESTUDAR COISAS DIVERSAS, TOCAR GAITA, MANTER A CABEÇA   OCUPADA 24H POR DIA

- Não existe segredo, como você mesmo pode ver - eu disse, com ar de sabedoria milenar
- Não sei Carlos, parece ser díficil isso... Não sei se posso...
- Isso só você que pode saber. Eu ainda tenho garrafas de bebida em casa, isso me ajuda a ficar ainda mais focado, uma vez que não adianta eu me livrar de todas as garrafas sendo que no mundo real as pessoas bebem o tempo todo. O segredo é a moderação. Sabendo beber você vai longe.

Ele me olhou como quem realmente precisa de ajuda, eu queria muito poder ajudar, mas ele sabia que isso só dependia dele. Se despediu de mim, e saiu pela porta frontal. Eu querendo que ele largasse o inferno e ele... bem, eu não sei exatamente o que ele queria.

Zaratustra

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