segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pensamentos de um dia de ressaca



Acordei. Abri os olhos e vi um copo quase cheio de alguma coisa. Bebi tudo o que tinha lá em uma única golada. Senti que era vodka. Na verdade eu sabia que água com certeza não era. Eu nunca bebo água, porque diabos eu deixaria um montão de água num copo do meu lado? Olhei no celular, buscando saber as horas. Eram 13h34. Pensei "caralho, ainda está muito cedo", mas decidi levantar de qualquer maneira. Somente depois que levantei que eu percebi a peculiaridade de ter um copo do meu lado "geralmente eu bebo direto do gargalo, porque tem um copo? O que será que me levou a isso ontem?" Enfim, como não tinha um resposta plausível resolvi continuar de pé e fui em direção à cozinha, com uma dor de cabeça dos infernos. Juro que pensei em pegar um daqueles remédios pra dor de cabeça, mas aquela merda iria me dar muito sono e não estava muito a fim de dormir. Aí pensei em alguma coisa mais alternativa para me curar daquele maldito incomôdo. Abri a geladeira para checar os estragos da noite anterior. A garrafa de vodka no finalzinho. Uma garrafa vazia de Contini. Uma outra de Caipiroska, também vazia. Eis que olho uma de Jurupinga, ainda fechada (para o meu total espanto) e umas quatro ou cinco latinhas de cerveja. Resolvi pegar logo a Jurupinga. Já que é pra tomar remédio, que seja um forte. Servi um copo com uma generosa dose. Dei uma golada que desceu rasgando. Dei outra, essa já mais suave. Olhei que em cima da mesa haviam dois maços de Marlboro vermelho. Um deles amassado e claramente vazio. O outro tinha pouco menos da metade já fumado. Percebi que fumei muito naquela noite. Peguei o maço, fiquei com preguiça de procurar o isqueiro e resolvi pegar fósforos na cozinha mesmo. Saí para o quintal, peguei uma cadeira para me sentar e outra para apoiar meu cinzeiro, minha bebida e o celular. Coloquei um sonzinho de leve, só pra dar aquela relaxada. Já estava no meu segundo copo quando percebi que a dor de cabeça estava passando. "Santo remédio! E as pessoas perdem tempo indo na farmácia quando o remédio pode ser o próprio causador da merda toda: o alcool."

Estava tentando reconciliar os fatos do que tinha acontecido na noite anterior. Lembro de muita coisa, mas o problema é que quando bebemos nunca sabemos uma frase completa do que foi dita. A gente lembra do contexto do que falamos, das ideias que foram discutidas, mas nunca uma frase inteira. Nem uma frase sequer! Já matando o segundo copo, resolvi pegar uma cerveja e acender um cigarro. Aquela cerveja descia mais suave do que água e me ajudou a matar a sede causada pela maldita ressaca. Enfim, lembrava do que havia ocorrido na noite anterior. Geralmente nas noites de sexta eu fazia exatamente a mesma coisa que fazia todos os dias: acordava cedo, pegava um trem lotado com um monte de gente fedida e sem esperança, que ficavam falando do capítulo da novela e reclamando do prefeito e do governador. Ia para a faculdade, almoçava, trabalhava, pegava o mesmo trem com os mesmos filhos das putas e depois passava no mesmo bar. Pedia todos os dias a mesma coisa. Chegou um ponto que eu não precisava nem pedir. O garçom na real devia estar cansado de ver minha cara. Lembro que sentei e falei com o cara:

- Amigo, me trás três St. Remys e uma dose de Old Eight.

Muitos achavam estranho eu pedir as três doses de uma vez. Honestamente eu não tenho uma explicação coerente pra isso, sei que gostava de pedir assim e foda-se. Não ligava se a bebida ficava quente, porque independente da temperatura aquela merda ia me deixar bêbado, e esse era o objetivo! Fazia sempre da mesma maneira, de segunda a sexta, porque nos sábados e domingos costumava só beber em casa. Tomava um gole pequeno do whisky, e um gole grande do St. Remy, até acabar com os quatro copos e sair do lugar, trançando as pernas e rindo sozinho, pensando em qualquer merda. Eis que quando chegava em casa, pegava uma garrafa de vodka, deitava no sofá e ficava tomando até cair no sono. Parece algo agressivo, mas era minha única escapatória. Estava me divorciando, e morava com uma mulher que não era minha esposa e ainda por cima a vadia tava dando pra outro já. E a puta nem trabalhava, eu que sustentava ela. Em resumo, eu mantinha ela pra outro cara comer. O banho que ela tomava pra ficar com a buceta limpa, saia do meu bolso, mas quem colocava a língua lá não era eu. A comida que deixava a bunda dela gostosa, era paga por mim, mas eu não encostava lá, era o outro. E ela se recusava veemente a sair de casa, e a situação toda era uma merda pra mim, portanto eu bebia pra ver se as coisas passavam mais rapidamente. Geralmente, quando estava deitado no sofá bebendo, não lembrava de tudo exatamente como acontecia, mas meio que por espanto tinha forças suficientes para acordar no dia seguinte e fazer tudo de novo. Mas acho que pelo fato de ser uma sexta-feira eu acabei exagerando. Sou assim com relação à bebida. Eu bebo até acabar, ou até onde eu conseguir, até desmaiar. Admiro muito aquelas pessoas que falam "hoje vou beber somente três cervejas e parar" e que realmente conseguem fazer isso. Eu não sou assim, eu vou bebendo e bebendo e bebendo e ver o que acontece. E na sexta acho que acabei exagerando. Não sou muito de fumar e na sexta comprei dois maços. O problema é que eu tiro o maldito filtro do cigarro, e isso acaba fudendo ainda mais a porra toda. "Fumar essa merda sem filtro deve fuder os dentes", sempre penso nisso. No pulmão eu não penso, até porque o que eu consigo ver são os dentes. No dia seguinte sempre rola uma falta de ar, mas que depois acaba passando.

Já tinha matado a latinha de cerveja e estava indo pro quarto copo de Jurupinga e pra mais um cigarro. Pensava coisas aleatórias. "Caralho, a bebida fode por causa disso. A gente acorda mal no dia seguinte por ter tomado um porre fudido, aí como estamos tristes bebemos mais. É tudo um círculo vicioso!" De qualquer forma resolvi continuar bebendo. Naquele ponto levava a bebida a sério, era meio que meu trabalho. A grande questão é que as pessoas não queriam (ou não conseguiam) me acompanhar nisso. Por isso sempre bebia sozinho. Acho que o pior alcoolatra é aquele que bebe sozinho. Se você é um daqueles caras que bebe em festas e baladas e pega várias mulheres e se diverte, acho ruim, mais ainda é melhor. Beber sozinho remete à depressão. Beber entre amigos é sempre uma festa. E eu era o tipo de cara que bebia sozinho e ficava pensando merda. Lembro um dia que pensei "quer saber, acho que vou num puteiro. Comer aquelas mulheres tristes e sem perspectiva, ver o que elas conseguem fazer" Mas acabava desistindo sempre. O dinheiro que eu gastaria pra me divertir com uma puta por uma hora, iria me garantir dias e dias de bebedeira. Colocando tudo numa balança, sempre valia investir em bebida. Já não tinha muitos planos na época. Tudo o que eu pensava em comprar, como roupas, celulares ou qualquer outra coisa, eu acabava desistindo pra comprar bebida. Simplesmente porque me parecia uma aplicação mais construtiva.

Resolvi pegar meu quinto copo de Jurupinga e mais uma breja. O esquema era tomar a Jurupinga, e na sequencia beber a breja. Não sei porque, mas a sensação era agradável. Comecei a sentir algumas dores estomacais, mas estava naquele ponto em que eu pensava "bom, se eu continuar bebendo de duas uma: ou essa dor passa ou estarei tão bêbado que desmaio e pelo menos não sinto a maldita dor." Era aquela maldita dor aguda que não me deixava fazer nada. Com certeza eu sabia que tinha que pensar em alguma coisa pra fazer naquela tarde de sábado. Sei lá, pegar o telefone, ligar para algum amigo meu? Pensei que não, porque provavelmente eu teria de estar sóbrio para fazer qualquer coisa e definitivamente sobriedade é algo que me assusta. Com muito custo matei mais um cigarro, e estava já no fim do sexto copo de Jurupinga. Tinha que me levantar para pegar uma breja, mas estava muito cansado. Aí comecei a pensar em como a apatia sempre fica enorme em algumas situações. Não que a bebida me deixasse apático, longe disso na real. Ela sempre me deixava o cara mais verdadeiro do mundo, mas a maioria das pessoas que são sóbrias acabam sendo apáticas, no estilo de um maldito zumbi. Se fecham em um canto e tem preguiça demais de fazer as coisas, de lutar pelo que querem. Isso me fez refletir, e tive motivação para pegar minha lata de breja na geladeira.

Já com a lata na mão resolvi tomar coragem e subir para o quarto. Me muni das minhas armas, pegando a garrafa de Jurupinga (que aliás já estava no final), o maço de cigarros e a latinha de Itaipava e subi. Geralmente não fumo no quarto, mas pensei "bom foda-se, não tenho muito com o que lutar mesmo, um pouco de cheiro de cigarro no quarto não vai matar ninguém". Sentei na cadeira, liguei o PC. A puta da minha mulher (que não era mais minha), estava em sei lá diabos aonde, portanto sabia que teria um fim de tarde e noite agradáveis, sem pentelhação, sem pessoas me julgando. "Hoje o fim de dia vai ser suave", pensei, acendendo um cigarro e matando em um único gole o sexto copo de Jurupinga e na sequência mandando uma boa virada da breja. Por fim traguei o cigarro e coloquei um sonzinho. Um Floyd sempre me faz refletir. Estava lá eu, no meu alcoolismo solitário quando o telefone toca.

- Oi - atendi de forma meio seca (não sabia de quem era aquele número, e naquele dia não estava pra gentilezas)
- E aí Zaratustra bele? É o Augusto cara.
- Porra mano beleza. O que vc manda?
- Ahhh cara, sabadão, vamos fazer um rolezinho? Tô querendo dar um pulo na Augusta.
- Afff cara, acho que nem rola ein - respondi, dando um grande gole já no meu sétimo copo de Jurupinga - Tô meio destruído hoje. Acho que vou ficar suave. Ressaca fudida.
- E quando você não está de ressaca né? - respondeu ele em tom de brincadeira, mas ao mesmo tempo senti certa preocupação - Bom você que sabe cara, qualquer coisa dá um toque.
- Beleza mano, abraços.

Desliguei o telefone e dei uma golada grande na breja, na verdade grande o suficiente para acabar com a lata. Acendi um cigarro, e enquanto soltava a fumaça, pensei "porra, parece que sempre as pessoas tem que sair, e se divertir e trepar e beber com várias pessoas" E isso não deixa de ser verdade. É uma mania de querer se manter ativo socialmente que por vezes me enoja. Eu até tinha forças para sair, mas se for pra ficar bêbado na rua, que eu ficasse bêbado em casa oras! Resolvi matar o sétimo copo de Jurupinga. Vi que na garrafa só tinha mais um restinho. Peguei esse restinho, desci para a sala e fui na cozinha. Peguei o que percebi ser a última latinha de cerveja na geladeira "chegamos na hora da tristeza" pensei, vendo que a Jurupinga e a breja estavam no final. Mas acho que o efeito da bebida me fez rir de besta, e logo esqueci que a pior hora do dia estava pra chegar. Sentei no chão, virei em três grandes goladas o resto da Jurupinga, acendi outro cigarro e comecei a pensar pra onde estava indo e o que estava fazendo com tudo o que havia construído em todos aqueles anos de alcoolismo, de casamento, de celibato. Percebi que tinha colocado meu pau no lugar errado por muitos anos, e, naquele momento era melhor evitar de entrar com ele em qualquer outro lugar. Me restava a bebida. Não lembro de ter tomado a última cerveja. Provavelmente peguei no sono e sabia que eu dormi com um sorriso no rosto, porque apesar dos pesares, aquele dia havia sido muito bom.

Zaratustra

Nenhum comentário:

Postar um comentário