quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A mulher que eu não quis comer



O sentimento era deveras bucólico, é isso, e se você não sabe o que é bucólico, amigo, joga no google, eu cansei de ensinar as pessoas, cansei de ser o responsável por tudo, então foda-se. Eu estava mesmo irritado, não sei ao certo os motivos. Onde eu estava? Ah sim, eu dizia estar bucólico, esse sentimento corria numa péssima fase da minha vida, eu estava cheio de dívidas, mulheres e bebidas e baladas me consumiram como o fogo consumia meu cigarro naquela noite em que eu estava no interior, num sítio de um amigo meu, era mato e mais mato (entenderam agora o bucólico hehe), e isso era bem legal pra pensar na vida, nas dívidas e no que fazer pra mudar essa porra toda.

Hey, eu abria a sexta latinha de cerveja e estava quase no fim do meu maço de Derby (eu havia esquecido de comprar cigarros, o único que arrumei no meio do mato foi o Derby... Sim, isso é triste), e estava de boa por ali, gastei pouco nas bebidas, comi de graça e por um momento consegui esquecer dos meus quase 20 mil reais de dívidas no banco, do meu desemprego, meus problemas dentários, meus gorfos de sangue, das vadias que me chutaram, da pipoca doce que eu derrubei no chão... Caralho, como eu tinha (e tenho) problemas! Vai ver por isso que eu estava mesmo irritado. A trilha sonora era Pink Floyd, tocava nesse momento Poles Apart, do album The Division Bell. Eu sempre fico igual uma menininha virgem ao dar um beijo no cara mais gatinho da escola quando escuto esse album, eu fico mesmo feliz, empolgado e excitado.

Pois bem, a sexta latinha estava já no final, eu já pensava na sétima, sim, eu sempre bebo pensando na próxima garrafa ou lata, por isso eu bebo rápido, é como numa corrida, eu quero alcançar logo meu limite. Vejo garrafas como adversários, tenho que eliminar eles o mais rápido possível! E no dia do lixeiro, sinto vergonha quando coloco somente garrafas do lado de fora de casa, e vejo vizinhos com lixos decentes, com embalagens de comidas decentes, sujeira de uma família decente, quando tudo o que tenho são garrafas barulhentas. Foda-se. Sei que antes da sétima lata, meu celular tocou.

- Alô - eu disse secamente.
- Oi Carlos! Sou eu, a Juju! Tudo bom aí no sítio? hihihi
- Oi Juju, tudo ótimo, e por aí?
- Também hihihi. Tô chegando na cidade em que você está. O Pedro me convidou hihihi. Cê pode me buscar no centro? hihihi
- Ok, de boas - acreditem, eu estava irritado PRA CARALHO com esses "hihihis", tanto quanto vocês. Parece que cheirou pó de mico! Pra que tanta graça!? Porra!

Me levantei, constatei que as cervejas não haviam me fodido tanto, acho que eu estava bem pra dirigir. E outra, precisava buscar cigarros mesmo, dessa vez Marlboro vermelho, e ia pegar uma garrafa de vodka pra dormir sossegado (vodka pra mim é o melhor remédio pra insônia). Peguei as chaves e o documento do meu carro e sai.

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Acreditem, eu estava individado, mas o meu carrinho popular ainda estava comigo. Eu fatalmente perderia ele também (não pagava a prestação faziam uns cinco meses), mas enquanto o banco não colocasse uma arma na minha cabeça exigindo que eu o devolvesse, ele estaria comigo e seria usado. Prossegui por aquela estrada de terra, sem cinto e bebendo a lata número sete, acho que eu não ligava muito para as regras do trânsito, acho que eu não ligava pra PORRA NENHUMA, e xingava todas as pedrinhas que batiam na parte traseira do meu veículo.

Após uns vinte minutos cheguei no centro, a latinha número sete tinha virado história. Encontrei Juju, sentada em um dos bancos da rodoviária. Ela era mesmo bonita. Belas pernas, seios médios e carinha de anjo. O cabelo tinha uma mecha azul, que dava um ar mais especial a ela.

- Oiiiii Carlos hihihi - ela me abraçou efusivamente.
- Oi Juju. Bom te ver - eu disse, só pra ser educado - agora vamos no mercado comprar VODKA. Ah, e cigarros também.
- Beleza hihihi

Passamos no mercado mais próximo. Comprei uma garrafa de vodka, da mais barata (isso é tão óbvio quanto dizer que o mar é salgado), umas cervejas, também da marca mais barata, isso seria o suficiente. Ela foi fresca, comprou uma garrafa de licor de menta e uma cerveja artesanal. No caixa, peguei dois maços de Marlboro vermelho e pedi CPF na nota. Pronto, ganhei meu centavo do governo. Eu não paguei os drinks dela (tá tirando que eu vou pagar coisas pra mulheres!) Ela pagou o dela e também pediu CPF na nota, e sim, mais um centavo do governo foi retirado. Colocamos tudo dentro do carro, e é lógico que peguei uma latinha de cerveja pra ir bebendo no caminho (tá tirando que vou esperar chegar em casa!) Assim que liguei o motor do carro eu dei a primeira golada.

- Carlos, acho que não é uma boa você beber enquanto dirige. Tem muito acidente.
- Hey, valeu a dica. Agora olha lá fora.

Abri o vidro, ela olhou pro lado de fora e se voltou pra mim com cara de interrogação.

- Olhar o que? - ela disse.
- Lá fora - apontei pra um lugar qualquer e distante - lá tá escrito FO-DA-SE! - eu disse assim mesmo, pausadamente.
- Como você é grosso! - ela disparou, batendo no meu ombro.
- Não encosta na mercadoria... chuchu - eu disse, fechei o vidro, virei mais uma golada na breja, atento com as pedrinhas da estrada, e as xingando mentalmente.
- Hihihi, seu besta! - ela disparou e cruzou os braços, emburrada.

Consegui chegar sem problemas ao sítio, não havia perdido nada, Pedro ainda tomava Bacardi Big Apple com sua esposa. Fui na cozinha, coloquei as bebidas na geladeira, e sim, a latinha número oito havia virado história. Montei uma dose de vodka com água e sentei na varanda, acendendo um Marlboro vermelho. Ia pensar um pouco mais na vida, honestamente não acho bom pensar na vida, mas se eu não pensasse ao menos dessa vez, eu me foderia ainda mais. A vodka com água desceu bem macia, e a cada tragada o cigarro ficava melhor "caralho, isso sim que é boa compania hehe", pensei com um sorrisinho canalha no rosto.

Eu estava mesmo no céu, mas Juju me queria no inferno. Certeza. Ela chegou, tomava sua cerveja artesanal, sentou do meu lado.

- Você quer cerveja Carlos? - ela perguntou me empurrando o copo.
- Quero não, valeu - nisso levantei o copo de vodka com água, mostrando pra ela que eu estava bem acompanhado.
- Hihihi, entendi. Beleza. Posso ficar aqui?- ela perguntou com cara de cão sem dono.
- Ok, tanto faz - eu disse de forma indiferente e emborcando mais vodka com água.

Ficamos sentados um do lado do outro uns bons cinco minutos em silêncio. Mentira, havia ainda o som do bom e velho Floyd pra tentar me ajudar (e me animar) a pensar. Tocava nesse momento Sheep, do (injustiçado) album Animals.

- Você está muito quieto Carlos! Aconteceu alguma coisa? - ela disse, emborcando cerveja artesanal.
- Não, só pensando na vida - eu disse, acendi mais um cigarro, emborquei mais do meu drink, e pensando "aconteceu a PORRA DA MINHA VIDA DE MERDA, só isso!"
- Entendi. Vou deixar você sozinho então, beleza?
- Beleza Juju, beleza - eu disse, puxando mais tabaco tostado pra dentro do pulmão.

Ela se foi, pude voltar à paz dos meus pensamentos. Fiquei umas boas duas horas pensando, bebendo e fumando. Desculpem, mas é impossível detalhar o que eu estava pensando. São coisas demais, e tudo deveras complexo, e isso é confusão em excesso, é tanta confusão que palavras não comportam isso tudo. Enfim, depois dessas duas horas pensando, vamos pular pro fim da porra toda.

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Entrei e fui tomar um banho. Peguei a toalha, sentei no vaso, dei uma boa cagada das brejas e das vodkas que tomei durante o dia, me levantei, me limpei, liguei o chuveiro, medi a água, estava na temperatura ideal, entrei no chuveiro, tomei um bom banho, me limpei com uma tenacidade clínica, fiquei até mais leve e mais sóbrio. Estava pronto pra uma noite decente de sono.

Fui ao quarto de hóspedes, haviam duas camas de solteiro, Juju estava em uma, eu fui pra outra. Quando me deitei, mal fechei os olhos e ela pulou em cima de mim (Juju, não a cama). Tomei um puta susto com aquilo, e gritei, atônito.

- CÊ TÁ LOUCA!? CARALHO!
- Vamos ficar Carlos! Vamos! Hihihi
- Porra nenhuma, saí daqui, caralho! - eu disse, empurrando ela pra fora da minha cama.

Ela me olhou, perplexa.

- Porque você não quer me comer, Carlos!?
- Sei lá caralhos, eu tô cansado. Sou obrigado a transar sempre que me pedem?
- Não... Mas é estranho um homem não querer comer uma mulher.
- Vocês mulheres são fodas, exigem uma porrada de coisa, fazem revoluções, escrevem em cartazes, pintam o corpo, e ainda tem a tal da marcha das vadias, mas acham que nós homens temos que foder sempre que uma mulher nos pede. Vai se foder na tua cama e me deixa dormir, porra! - eu disse, virando pro lado e cobrindo meu rosto.

Ela não insistiu mais. Arrastou os pés de volta pra sua cama e dormiu. Caralho, ela era uma mulher bonita, mas eu estava cheio de problemas, não estava a fim de me meter com uma mulher. Um homem tem que muitas vezes fazer o que ele quer, e não o que lhe pedem. Talvez me chamassem de gay, mas eu estava, como sempre, me lixando pra isso. Dormi como um bebê, estaria pronto pra mais um porre e pra mais pensamentos no dia seguinte.

Zaratustra

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