sábado, 10 de maio de 2014

Escrava de pica



“Tudo bem, eu te espero aqui”
Eu disse, quando Tammie me ligou naquela sexta-feira
Eu estava com fome, havia na frente do trabalho dela um boteco sujo
Adoro botecos sujos
Sentei e pedi um salgado
“Custa 2,70” o cara do balcão disse
“Tudo bem, tudo bem...”
Abri minha garrafa de vinho e comecei a comer um salgado
E do meu lado estava uma mulher
que não era feia, ela era até que bem bonita
bebia cervejas de 600ml
sozinha
Naquele bar tocava forró, ela cantarolava sozinha
Eu somente comia e bebia meu vinho

Ela atendeu o telefone, colocou no viva-voz
(motivo que não entendo)
Prestei atenção na conversa dela
Reparei na aliança na mão direita, de prata, acho que era um namoro sério
E do outro lado da linha o namorado falava com ela
desculpas sem o menor sentido
eu ouvia o som de boteco ao fundo enquanto ele
dizia que estava no trabalho
Entornei mais vinho
Ela argumentava com ele, debatia, mas por fim aceitava
Ele devia estar rindo do outro lado
ele tinha ela na mão
Uma garota até que bem bonita
Mas me parecia uma vadia burra
e como todas as vadias burras
arrumam canalhas traidores e mentirosos
Mas ela não tinha outra opção
Eu não namoraria com ela

Desligou o telefone
entornou mais cerveja
começou a chorar do meu lado
Um choro tímido, sim, bem tímido
Por vezes ela soluçava
“Me dê outra cerveja”
ela disse ao cara do balcão
ela ia se embriagar e tentar esquecer o fato
De que ela era uma escrava de pica
Quando a cerveja chegou, ela virou um copo numa única talagada
e retornou (continuou) a chorar
Olhou pra mim e disse
“Você tem um cigarro?”
“Não” respondi, virando vinho
“Posso tomar seu vinho? Te dou cerveja”
ela disse, com um sorriso bêbado no rosto
e cara de quem queria acabar com o namorado
uma boa traição a ajudaria
“Não, tenho que ir”
Respondi, saindo do lugar

e entornando mais vinho

Carlos Reis

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