Sentou
naquela borda da ponte naquela madrugada chuvosa e fria e solitária na cidade
de São Paulo
Olhou
para baixo e viu o asfalto de uma avenida muito movimentada, e mesmo pelo fato
de ser madrugada, ainda havia carros que voavam baixo por ali
Na
sua mão direita uma garrafa de vodka barata
Na
sua mão esquerda um cigarro paraguaio
Na
sua mente um turbilhão de idéias que eram péssimas em geral, sendo que boas
mesmo eram quase nulas
Não
sabia se voltava ou se jogava, se enfrentava a vida ou se fugia dela, se
aceitava as imposições ou se revoltava contra elas
A
dúvida era cruel quanto a isso, seu cigarro não era mais tragado por causa da
chuva, mesmo assim ele gostava de segurá-lo, pelo simples prazer de segurar um
cigarro
Golava
a vodka, golava a vodka, golava a vodka... E pensava, e foi isso que ele fez
durante a vida toda, e por isso perdeu muita coisa
Carros
importados com pessoas felizes e bonitas e bem vestidas e bem-sucedidas e
mulheres loiras e magras com os dentes brancos e colares nos pescoços
E
homens fortes e com gel nos cabelos, barbas rentes e muito bem feitas, olhos
claros e donos de estabelecimentos e prontos pra criarem filhos para o sucesso
Filhos
de carros zero quilômetro e de cursinhos particulares e boas faculdades,
fumando boa maconha, cheirando boa cocaína e curtindo a juventude até os vinte
e cinco anos
Festas
de faculdades, transas irresponsáveis. Facilidade
Ele
não teve nada disso, somente a vodka, a boa e velha vodka barata, sempre ela,
sempre ela. E agora a borda da ponte
“Não
vou me entregar tão fácil assim, não vou mesmo” ele disse determinado a
continuar incomodando a visão de tudo aquilo que lhe incomodava a visão
Tentou
voltar os pés pra dentro da ponte, mesmo com a chuva e ainda segurando a
garrafa de vodka e o cigarro apagado
Escorregou
nessa tentativa falha, caiu da borda da ponte em direção à avenida movimentada,
sem tempo de pensar muita coisa, sem tempo de gritar por socorro
Como
uma cena de filme, caiu numa fração de segundo, não pensando em mais nada além
de fechar os olhos, sorrir sem mostrar os dentes podres e abraçando a garrafa
de vodka
(sem
largar o cigarro apagado)
Caiu
em cima de um carro importado, morreu na hora, mas morreu feliz
Ele
nunca vai saber disso, mas ao menos ele conseguiu incomodar um pouco aqueles
que a ele tanto incomodavam
Carlos Reis
Esse é o tipo de texto que eu gosto.
ResponderExcluirObrigado!
Excluir