sexta-feira, 16 de maio de 2014

Conversa, somente mais uma conversa



- Legal você ter me recebido hoje na sua casa Carlos. É mesmo uma boa casa.
- Tudo bem, ela é pequena, mas pra mim está bom – eu disse e comecei a beber assim que me sentei. Era vodka pura, da garrafa.
- Até que pra um cara de trinta e três anos você está bem. Tem seu apartamento próprio, tem um bom emprego e é um solteirão sem filhos. O que você acha disso tudo?
- Olha Helena, vou ser sincero – ofereci uma bebida pra ela, ela recusou pra variar – gosto da minha vida, mas acho no mínimo bizarro que todos meus amigos estejam casados e com filhos e com famílias estruturadas, tirando um ou outro divórcio, que eu chamo de acidente de percurso.
- Mas Carlos, eu achei que isso foi opção sua. Não imaginava que você os invejava de uma certa forma.
- Sim, eu invejo eles em alguns pontos, eles me invejam em outros. O ser humano nunca está plenamente satisfeito com o que tem, e muitas vezes precisamos fazer escolhas, somente isso, e não podemos ter tudo o que queremos. E a senhorita sabe disso – levantei minha garrafa e dei mais uma golada, que desceu rasgando.
- Quer falar sobre mulheres?
- Prefiro não, o que quero deixar registrado nessa conversa é que não me adequo fácil e sou extremamente chato, e isso sempre me fudeu. Agora eu colho o que eu plantei.
- Você ainda assim, mesmo com esses poréns, é um cara satisfeito e feliz? Digo no geral, como pessoa.
- Sim, eu estou bem. Afinal eu ainda posso beber. Eu ainda escrevo e ganho uma boa grana. Quando quero ficar mais tranqüilo fumo um bom charuto. Por vezes saio, mas acho que estou a um passo da loucura.
- E por qual motivo?
- Não tenho mais vontade de sair de casa. No início era preguiça, depois foi misantropia, depois letargia, depois sei lá mais o que. E agora mal saio, meus amigos estão sumindo, eu estou perdendo eles aos poucos, e isso tudo é culpa minha, e somente minha. Eles correram atrás, mas eu os afastei demais. E depois que todos casaram e se estabilizaram, a distância aumentou, agora é inevitável. Posso dizer que tenho conhecidos do trabalho, e alguns colegas de infância. Mas meus amigos eu matei, por culpa minha.
- Caralho Carlos, isso é terrível. Acho que você é maluco assim por falta de amor, só pode, porque vejo uma apatia e um desinteresse em você. É quase uma coisa blaze dos cinemas franceses, manja?
- Manjo sim Helena – dei outra golada – Posso dizer que sou meio apático. Não sei exatamente aonde eu comecei a errar pra chegar onde estou, pra ficar assim, mas penso que não foi falta de amor. Sempre tive uma boa atenção dos meus pais, principalmente da minha mãe. Sempre fui o filhinho caçula, aquele que sempre tinha razão sobre o mais velho. Vai ver isso que me fodeu.
- Acho que você acabou sendo mimado demais, e isso sempre gerou uma carência enorme em você, e isso ia se espalhando pras outras pessoas. Afinal, todas sabiam que você era um carente de merda.
- É verdade. Sempre fui. Lembro que quando eu era mais novo, eu fazia tempestade em copo d’água o tempo inteiro. Qualquer coisinha e eu surtava, começava a beber e ia parar só uns quatro dias depois. Julgava demais, sem pensar se eu estava certo ou errado.
- Sim, você sempre foi irredutível. Te conheço desde infância cara. Você sempre foi assim, desde pequeno. Lembra aquele caso em que a Angélica disse que ia no cinema com uma amiga e você ficou puto?
- Lembro sim – mais uma golada na vodka pura, já estava ficando mais alterado – eu tinha só dezesseis anos, era um ciumento imbecil.
- Mas você nunca deixou de ser ciumento, você só se fazia de forte. E eu sempre soube disso.
- É verdade, eu me fazia de forte. Mas com o tempo eu fui desencanando de verdade. Fui perdendo a fé nas pessoas, fui parando de contar com elas. Eu criei meu próprio escudo de proteção.
- Funcionou por um tempo...
- Funcionou algumas vezes eu diria – interrompi ela e dei mais uma golada – porque eu mantinha ele uns meses, aí aparecia alguém, eu abria, depois eu me fodia e fechava de novo. E o processo se repetia. Parece que quanto mais você foge das pessoas, mais elas querem entrar na sua vida. E isso é bom ou ruim.
- É bom, emoções são coisas saudáveis Carlos. Você tem que aceitar isso.
- Tudo bem, mas se for pra entrar, quebrar tudo e sair fora, é melhor que nem aparecesse.
- Isso tem a ver com mulheres? Ou com amigos?
- Com os dois, posso até incluir família ai no bolo. Qualquer relação humana está sujeita a isso. E a senhorita sabe, dona Helena hahahaha
- Nem me fale. Lembra daquele ex-namorado meu, aquele que me fodeu. Até que eu fui na sua casa, a gente tomou um porre e eu comecei a chorar de soluçar umas 6h da manhã hahaha
- Eu ainda avisei que ele não era uma boa coisa. Ainda bem que hoje você está casada. E filhos?
- Calma Carlos, calma... Tenho só trinta anos hahaha
- Calma o caralho – dei uma golada, rindo na seqüência – acho que essa é a idade. O problema é ele né? hahahah
- Não, ele está louco pra ser pai, sério! – ela riu e fez um gesto com a mão do tipo “deixa disso”
- Ok ok hahahaha
Ficamos mais um momento em silêncio. Acho que ambos havíamos desabafado sobre alguns assuntos. Eu pra variar, acabei falando demais, como sempre.
- Vou embora Carlos – Helena me disse, já se levantando – Promete pra mim que você não vai beber muito hoje?
- Tudo bem, valeu a visita...

Ela saiu, deitei no sofá e retornei a bebedeira. Mas uma conversa é sempre bom pra desabafar.

Carlos Reis

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