-
Legal você ter me recebido hoje na sua casa Carlos. É mesmo uma boa casa.
-
Tudo bem, ela é pequena, mas pra mim está bom – eu disse e comecei a beber
assim que me sentei. Era vodka pura, da garrafa.
-
Até que pra um cara de trinta e três anos você está bem. Tem seu apartamento
próprio, tem um bom emprego e é um solteirão sem filhos. O que você acha disso
tudo?
-
Olha Helena, vou ser sincero – ofereci uma bebida pra ela, ela recusou pra
variar – gosto da minha vida, mas acho no mínimo bizarro que todos meus amigos
estejam casados e com filhos e com famílias estruturadas, tirando um ou outro
divórcio, que eu chamo de acidente de percurso.
-
Mas Carlos, eu achei que isso foi opção sua. Não imaginava que você os invejava
de uma certa forma.
-
Sim, eu invejo eles em alguns pontos, eles me invejam em outros. O ser humano
nunca está plenamente satisfeito com o que tem, e muitas vezes precisamos fazer
escolhas, somente isso, e não podemos ter tudo o que queremos. E a senhorita
sabe disso – levantei minha garrafa e dei mais uma golada, que desceu rasgando.
-
Quer falar sobre mulheres?
-
Prefiro não, o que quero deixar registrado nessa conversa é que não me adequo fácil
e sou extremamente chato, e isso sempre me fudeu. Agora eu colho o que eu
plantei.
-
Você ainda assim, mesmo com esses poréns, é um cara satisfeito e feliz? Digo no
geral, como pessoa.
-
Sim, eu estou bem. Afinal eu ainda posso beber. Eu ainda escrevo e ganho uma
boa grana. Quando quero ficar mais tranqüilo fumo um bom charuto. Por vezes
saio, mas acho que estou a um passo da loucura.
- E
por qual motivo?
- Não
tenho mais vontade de sair de casa. No início era preguiça, depois foi
misantropia, depois letargia, depois sei lá mais o que. E agora mal saio, meus
amigos estão sumindo, eu estou perdendo eles aos poucos, e isso tudo é culpa
minha, e somente minha. Eles correram atrás, mas eu os afastei demais. E depois
que todos casaram e se estabilizaram, a distância aumentou, agora é inevitável.
Posso dizer que tenho conhecidos do trabalho, e alguns colegas de infância. Mas
meus amigos eu matei, por culpa minha.
- Caralho
Carlos, isso é terrível. Acho que você é maluco assim por falta de amor, só
pode, porque vejo uma apatia e um desinteresse em você. É quase uma coisa blaze
dos cinemas franceses, manja?
-
Manjo sim Helena – dei outra golada – Posso dizer que sou meio apático. Não sei
exatamente aonde eu comecei a errar pra chegar onde estou, pra ficar assim, mas
penso que não foi falta de amor. Sempre tive uma boa atenção dos meus pais,
principalmente da minha mãe. Sempre fui o filhinho caçula, aquele que sempre
tinha razão sobre o mais velho. Vai ver isso que me fodeu.
-
Acho que você acabou sendo mimado demais, e isso sempre gerou uma carência
enorme em você, e isso ia se espalhando pras outras pessoas. Afinal, todas
sabiam que você era um carente de merda.
- É
verdade. Sempre fui. Lembro que quando eu era mais novo, eu fazia tempestade em
copo d’água o tempo inteiro. Qualquer coisinha e eu surtava, começava a beber e
ia parar só uns quatro dias depois. Julgava demais, sem pensar se eu estava
certo ou errado.
-
Sim, você sempre foi irredutível. Te conheço desde infância cara. Você sempre
foi assim, desde pequeno. Lembra aquele caso em que a Angélica disse que ia no
cinema com uma amiga e você ficou puto?
-
Lembro sim – mais uma golada na vodka pura, já estava ficando mais alterado –
eu tinha só dezesseis anos, era um ciumento imbecil.
-
Mas você nunca deixou de ser ciumento, você só se fazia de forte. E eu sempre
soube disso.
- É
verdade, eu me fazia de forte. Mas com o tempo eu fui desencanando de verdade.
Fui perdendo a fé nas pessoas, fui parando de contar com elas. Eu criei meu
próprio escudo de proteção.
-
Funcionou por um tempo...
-
Funcionou algumas vezes eu diria – interrompi ela e dei mais uma golada –
porque eu mantinha ele uns meses, aí aparecia alguém, eu abria, depois eu me
fodia e fechava de novo. E o processo se repetia. Parece que quanto mais você
foge das pessoas, mais elas querem entrar na sua vida. E isso é bom ou ruim.
- É
bom, emoções são coisas saudáveis Carlos. Você tem que aceitar isso.
-
Tudo bem, mas se for pra entrar, quebrar tudo e sair fora, é melhor que nem
aparecesse.
-
Isso tem a ver com mulheres? Ou com amigos?
-
Com os dois, posso até incluir família ai no bolo. Qualquer relação humana está
sujeita a isso. E a senhorita sabe, dona Helena hahahaha
-
Nem me fale. Lembra daquele ex-namorado meu, aquele que me fodeu. Até que eu
fui na sua casa, a gente tomou um porre e eu comecei a chorar de soluçar umas
6h da manhã hahaha
- Eu
ainda avisei que ele não era uma boa coisa. Ainda bem que hoje você está
casada. E filhos?
-
Calma Carlos, calma... Tenho só trinta anos hahaha
-
Calma o caralho – dei uma golada, rindo na seqüência – acho que essa é a idade.
O problema é ele né? hahahah
-
Não, ele está louco pra ser pai, sério! – ela riu e fez um gesto com a mão do tipo
“deixa disso”
- Ok
ok hahahaha
Ficamos
mais um momento em silêncio. Acho que ambos havíamos desabafado sobre alguns
assuntos. Eu pra variar, acabei falando demais, como sempre.
-
Vou embora Carlos – Helena me disse, já se levantando – Promete pra mim que
você não vai beber muito hoje?
-
Tudo bem, valeu a visita...
Ela
saiu, deitei no sofá e retornei a bebedeira. Mas uma conversa é sempre bom pra
desabafar.
Carlos Reis
Nenhum comentário:
Postar um comentário