- Amor
vamos naquele boteco... Por favor.
-
Vamos beber em casa. Oras, não existe nada melhor lá do que aqui – eu disse,
abrindo aquela que seria minha oitava latinha de cerveja do dia.
-
Mas amor, se você acha que a vida é só beber e trepar, não podemos ficar
juntos. Sério, eu preciso de mais, mais planos, menos preconceitos. Você odeia
tudo.
- Eu
só odeio pessoas. Vai pegar uma cerveja pra você e tenta relaxar.
Ela
acendeu um cigarro, foi na geladeira, pegou uma latinha de Itaipava. Abriu a
latinha, continuou puxando seu cigarro, me olhando com raiva e desprezo. Até
que ela disparou.
- É
impossível namorar alguém assim. Vou sair, mesmo que seja sozinha.
-
Tudo bem, faça o que achar melhor – eu disse, talagando mais minha cerveja.
-
Como assim? – ela perguntou espantada, colocando de novo o cigarro na boca.
-
Você entendeu. VAZA!
-
Acho melhor terminarmos.
-
Tudo bem. Só deixe a latinha em cima da mesa. Eu paguei por ela. Agora some
daqui, sua vadia!
Eu
disse isso, e estava meio belicoso pelas cervejas. Não cheguei a agredi-la, mas
ela tentou me bater. Me protegi e fui empurrando ela até a porta. Coloquei ela
pra fora e tranquei a maldita porta, com as duas trancas. Ela ainda balbuciou
algo. Berrou, vamos dizer assim, me chamou de nomes feios. Eu ignorei, assim
como ignorei os chutes na porta. Simplesmente me sentei e aumentei o som,
tocava naquele momento Anathema (uma banda pouco conhecida, mas bem bacana).
Bebi mais.
Quando
terminei a latinha, a amassei, me levantei. Ela havia ido embora. “Mais uma que
se foi, que assim como chegou rapidamente, se foi rapidamente. Tudo bem” eu
pensei, indo à cozinha pra pegar mais cervejas. Tinham exatas cinco latas, não
sei se isso daria pro resto da noite, mas eu tinha três garrafas de vinho
ainda, portanto, até o dia seguinte eu não precisaria sair de casa e nem ver
pessoas, o que pra mim era muito legal. Quando me sentei novamente na poltrona,
abri a latinha, estava no paraíso. As pessoas exigem demais da vida, sendo que
não se precisa de muito pra ser feliz. Dei umas goladas. Meu celular tocou,
abaixei a música e atendi.
-
Fala seu merda! – eu disse.
-
Sabe quem é, né seu puto?
-
Sim, é o Renatinho. Não canse minha beleza, fale logo.
- Tá
bebendo?
-
Oras, e o que mais eu poderia fazer além disso? – respondi, dando um gole
sonoro, pra que ele pudesse ouvir.
-
Hahaha, beleza. Sua mina está aí?
-
Não, terminamos.
-
Taporra! Saquei, mas porque man?
-
Não sei direito. Na verdade acho que bebi demais e alguma coisa aconteceu, ai
terminamos – dei outra golada.
-
Tendi... Mas você tá legal?
-
Acho que sim. Mulheres vem e vão, tô acostumado com isso.
-
Beleza então cara! Ou, tem planos pra hoje?
- Na
verdade ia beber. Estou ouvindo um som novo, bacana, e bebendo sentado na minha
poltrona.
-
Vou chamar os caras e colar aí, pode ser?
-
Claro, mas traga cervejas! Estou sem cervejas... e traga vinho também.
- Ok
man, valeu. Logo logo estou aí, abraços!
-
Tudo bem, até mais.
Desliguei
o telefone, prossegui bebendo. Eu me canso muito facilmente das pessoas, mas
tem uns caras que são legais de ver e trocar idéia. Renatinho era um deles. Ele
nem bebia muito, mas é legal fazer rolês com os caras. Eles vêm aqui em casa,
bebemos e conversamos. E pensar que minha (agora) ex-namorada queria sair e ir
num bar. Sério, bares são geralmente cheios, tem fila pra tudo, você gasta pra
entrar, os drinks são caros. Sempre que saí em bares, eram botecos mesmo, você
só pagava seus drinks, não havia banda, os banheiros eram fedidos e imundos,
por vezes achava merda dentro das privadas, havia aqueles velhos sujos e sem
dentes, velhas feias de cabelos roxos bebiam cachaça... Sim, são bons lugares
esses. Mas essas “baladas”, de fato me enchem.
Anathema
era mesmo uma boa banda, e que se foda, coloquei no repeat. Prossegui bebendo,
até que peguei no sono em cima da poltrona.
2.
Acordei
com a campainha tocando e gritos masculinos “CARLOS... CARLOS... ABRE ESSA
PORRA, SEI QUE VOCÊ NÃO MORREU SEU BOSTA!” A julgar que eram masculinos, fiquei
mais tranqüilo. Me levantei, abri a porta. Era Renatinho, estava acompanhado de
Maycon, Luis e Fernando. Cumprimentei a todos. Pedi pra que colocassem as
cervejas na geladeira, assim como o vinho. Trouxeram também uma garrafa de
vodka e uma Dolly limão. Senti uma dor abdominal terrível.
-
Com licença – eu disse, já com a mão na boca.
Entrei
no banheiro, vomitei. Tinha muita cerveja naquele vômito, e um pouco de sangue.
Fechei a porta. Abaixei as calças e dei uma grande cagada de cervejas. Sempre
repito isso, mas as cagadas de cerveja são as melhores. Saiu como um espirro.
Enquanto eu cagava, o cheiro de enxofre dominou o banheiro todo. Vomitei e
caguei ao mesmo tempo. É mesmo algo fora do tradicional, mas não tive muitas
dificuldades pra fazer isso. A bosta saia ao mesmo tempo que o vômito. Pensei “Caralhos,
estou muito fodido, não vou beber muito hoje”, mas eu sabia que estava mentindo
pra mim mesmo. Sou muito honesto com as pessoas, mas comigo sempre minto.
Sempre prometo milhões de coisas e não cumpro nada. Me levantei, olhei dentro
do vaso. Um misto de vômito e merda de breja não é algo bonito, mas gosto de
pensar que estou pintando uma obra de arte sempre que faço isso. Afinal de
contas, aquilo saiu de mim. Me limpei, primeiro a boca e depois o rabo. Dei a
descarga e me senti bem mais aliviado. A dor estomacal havia passado.
Quando
eu saí do banheiro, Maycon veio falar comigo.
- Tá
tudo bem cara?
-
Sim sim, só precisava dar uma boa cagada...
-
Não não, eu falo da sua namorada. Não deve ser fácil terminar um namoro.
-
Terminar foi tão mais fácil do que começar, você não faz idéia Maycon... – eu disse,
indo pra cozinha e abrindo uma latinha de cerveja.
-
Mas você gostava dela?
-
Sim, ela era bacana.
-
Então algo você vai sentir. É impossível sentir afeto por uma pessoa e quando
tudo acaba você ignorar – ele disse, bebendo vodka com Dolly limão.
- Eu
descarto as pessoas com a mesma facilidade que elas aparecem pra mim. Não tenho
problemas em chutar elas. Logo logo aparece outra, aí ela me chuta, ou eu chuto
ela, sei lá. Acho que esse papo está um cu sujo de chato – eu disse, bebendo
cervejas e sentindo meu estômago bem melhor.
-
Tudo bem então.
Nisso,
colou junto conosco os outros três caras. Me sentei na poltrona, eles sentaram
no sofá. Eles bebiam vodka com Dolly limão, eu cerveja. Ouvíamos Anathema.
-
Esse é o som que você disse que estava escutando o dia todo? – Luis perguntou.
-
Sim. Muito foda.
-
Tem uma pegada progressiva, mas é meio moderno também. Bacana cara – Fernando disse,
entornando mais vodka.
-
Sim. E ninguém conhece. Vai entender – bebi a breja e dei uma risada
sarcástica.
Ficamos
por ali, apenas ouvindo música, bebendo e falando trivialidades. Não entendo as
pessoas, eles estavam mesmo preocupados por eu ter terminado meu namoro. Oras,
eu estava de boa pra isso. Nathy nunca foi a mulher dos meus sonhos. Mas eu
entendia eles, afinal, depois do que houve com a Carlinha, eu estava sempre em
alerta pra isso. Carlinha me fodeu tanto, que os caras se preocupavam sempre.
Mas eu estava bem. Não queria ser o centro das atenções. Só queria beber, como
todos ali faziam.
3.
As
brejas desciam bem. Vez ou outra eu dava uma cagada e voltava. Fernando era um
dos caras mais tímidos, ele se fechava no mundinho dele e ficava ali, bebendo.
A garrafa de vodka deles estava chegando ao final. Ainda tinham muitas brejas (foram
trazidos dois fardos), e vinho. Meu peido fedia a enxofre. Precisava comer
alguma coisa, mas eu estava mesmo com preguiça. Falei com Luis.
-
Gato!
-
Fala fofo – ele retribuiu.
- Me
prepara um macarrão... Por favor... – eu disse, golando mais brejas.
-
Caralho. Tudo bem. Mas não vou lavar a louça.
- Ok
chuchu, ok, obrigado.
Luis
se levantou pra fazer a comida. Eu me levantei pra colocar uma camiseta. A
noite estava esfriando. Quando voltei do quarto, Renatinho me disse que tinha
algo importante pra falar.
- Ok
man, diga, sou todo ouvidos – fiz aquele gesto e colocar a mão nas orelhas, pra
que ouvisse melhor.
-
Estou sendo expulso de casa cara... Não sei o que fazer.
-
Oras, venha morar comigo! – eu disse, golando a breja de leve.
- Ah
cara, eu não sei... O seu ap nem é grande, e tem só um quarto.
-
Oras, a gente divide cama... Gato! – eu disse sarcasticamente, passando a mão
no queixo dele.
-
Nem fodendo! – ele disse virando a vodka.
- Tô
brincando cara. Mas você pode usar o sofá. Ou eu durmo no sofá e você no
quarto. Pra mim tanto faz.
-
Mas e as mulheres?
-
Que mulheres?
-
Ué, sempre aparecem mulheres... você não se importa?
- Eu
não cara – eu disse, matando minha cerveja e amassando a lata – e qualquer
coisa a gente reveza o quarto. Só trocar o lençol que vai estar tudo certo.
-
Porra, até que não seria má idéia... Quando eu posso me mudar?
-
Quando você pode pegar suas coisas?
-
Amanhã.
-
Vem amanhã então. Cara, eu confio em você. Traga suas roupas, vai ser bom ter
alguém pra bater papo enquanto eu me embriago.
-
Porra, bacana... Vou avisar a vadia da minha mãe amanhã então.
-
Tudo bem... Hey, eu preciso de mais cervejas. Vamos na cozinha.
Levantamos
todos. O ap era mesmo pequeno, por isso a gente ouvia o som que vinha da sala.
A cozinha ficou apertada com tanta gente lá. Ficamos de papo, eu bebendo
brejas, eles, nessa altura, já bebiam vinho. A vodka tinha acabado, e eu passei
intacto por ela novamente. Acho que estava ficando velho. O garoto que bebia
vodka o dia todo, agora apenas bebia cervejas. Hahaha, vai entender, vai
entender! Luís não tinha dotes culinários sensacionais, mas ele fez um macarrão
que eu julgava decente. Colocou no molho azeitonas, orégano, deu uma mexida,
colocou uma lata de sardinhas. Era um macarrão bem consistente. Nos servimos e
voltamos pra sala. Iríamos comer por ali mesmo.
4.
A
comida descia bem. É mesmo incrível quando eu bebo, porque tudo o que eu como
vira bosta muito rápido. Os caras estavam de boa, mas meu banheiro era o
reflexo do inferno com cheiro de cândida. “Eu poderia cagar mais cheiroso”
pensei. Prosseguia bebendo, o rolê estava próximo do fim, eu pude sentir isso.
-
Mas e aí Fernando. Me conte as novidades – eu disse, bebendo e batendo no ombro
dele.
-
Tudo na mesma, tudo na mesma... – ele me disse, mais desanimado do que um padre
que está numa paróquia sem garotos de oito anos e que não quer estuprar as
meninas.
-
Porra Maycon, faz esse cara falar. Eu odeio silêncio.
-
Fala aí, caraio! – Maycon disse, deixando cair macarrão de volta no prato.
-
Sei lá, tô meio pra baixo ultimamente – Fernando respondeu, ainda comendo de
forma decente.
-
Isso é porque você bebe pouco seu vadio – eu disse, empurrando minha cerveja
pra ele. Ele tomou, mas continuou abatido.
-
Qual é o teu problema cara? – Renatinho perguntou.
-
Mulheres...
Todos
nós fizemos um grande “AHHHHHHH” do tipo “puta merda, sempre elas, sempre as
mulheres”. Por mais que Fernando fosse bonito, ele não satisfazia as mulheres.
Eu não sei exatamente o porquê disso, vai ver era o sexo, mas ele era chutado
dia após dia, muitas vezes por garotas bem mais feias do que ele. Enfim, não me
resta aqui julgar, eu tinha um amigo e tinha de ajudá-lo.
-
Como assim cara? – perguntei, entornando cerveja – o que elas fizeram com você
agora?
-
Bom Carlos, você deve se lembrar da Joyce.
-
Sim, ela era bem gostosa. Lembro mais da bunda dela do que do rosto, mas
prossiga.
-
Pois bem – ele colocou o prato de canto, ainda com comida e se serviu de vinho –
eu estava saindo com ela, e era bem bacana – ele dizia com brilho nos olhos –
aí que ela me chutou, eu não sei exatamente o motivo. Fiz tudo certo. Sei lá
caras, eu não tenho sorte.
-
Bom, você errou ao fazer tudo certo. Falta canalhice em você Fernando – eu disse,
matando meu prato, colocando ele de lado e me servindo do vinho também –
Nenhuma mulher curte ser bem tratada. Óbvio, você não vai trair ela, mas você
precisa ser mais direto. Não busque a perfeição, tanto ela quanto nós sabemos
que isso não existe. Não ligue pra ela o tempo todo. Não se preocupe demais.
Apenas trate ela bem.
-
Falou o cara que está solteiro – ele disse, bebendo mais vinho, numa grande
golada.
-
Sim, mas é capaz dela me ligar mais cedo ou mais tarde. Eu não me preocupo mais
com mulheres desde a Carlinha. Quando estou com uma, a trato bem, mas não fico
em cima, dou liberdade pra ela.
-
Mas você não se importa se a Nathy estiver com outro cara nesse exato momento?
-
Talvez esteja – eu disse, bebendo mais vinho – mas tudo bem. Logo logo aparece
outra. Tenho problemas maiores do que isso.
-
Não sei como você consegue ser tão forte.
-
Apanhei demais. Só isso.
Maycon,
Luis e Renatinho não quiseram opinar. Acho que a noite havia valido a pena, eu
havia bebido, ainda tinham drinks na minha geladeira, ajudado amigos e no dia
seguinte Renatinho iria pra minha casa. Eles estavam cansados da noite. Nos
despedimos. Me sentei na poltrona, ainda tocava Anathema. Bebia vinhos. Isso
era o paraíso. Meu telefone tocou.
-
Errr, oi Carlos. É a Nathy. Tudo bem?
-
Sim, e com você?
-
Também. Olha, você é um bom cara. Vamos sair no próximo fim de semana?
-
Acho melhor não – eu disse, virando o vinho direto da garrafa.
- Por
quê?
-
Simplesmente acho. Desculpe, estou ocupado, tenho uma garrafa para matar.
Beijos e boa sorte com o próximo cara. Tchau.
Desliguei
o telefone. Ela tentou me ligar mais algumas vezes. Coloquei no silencioso.
Ouvia Anathema e tomava vinho. Acho que se o mundo explodisse eu morreria
feliz.
Carlos Reis
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