sábado, 19 de abril de 2014

Mosca de boteco



“O que você está escrevendo, me deixe ler”
“Não, saia daqui!”
Eu disse, mas ela insistia em ficar por cima dos meus ombros
enquanto eu batia na máquina
Queria ver o que eu escrevia, mas eu odeio isso
“Por favor amor, por favor, me deixe ler!”
“Não, não está pronto!”
“Quando estiver eu poderei ler?”
Ela disse e eu ri
ri demais, e quase me caguei de rir
“Claro que não, ninguém lê as merdas que eu escrevo”
“Você é muito chato”
ela disse, cruzando os braços
“E você é muito curiosa”

Ela me deu um sossego, mas voltou a olhar por cima dos meus ombros
Eu queria lhe dar um tapa, mas não posso
Pensei em esfaquear, mas isso sujaria meu quarto
“SAI DAQUI, PORRA!”
Berrei, mas ela queria mesmo ler o que eu escrevia
“NÃO! EU QUERO VER O QUE VOCÊ ESCREVE!”
“SÓ ESCREVO MERDA! VAI DEITAR E NÃO ME ENCHE!”
Ela recuou, se deitou, se cobriu com um lençol
Estava mesmo uma madrugada quente
Eu prosseguia bebendo e batendo na máquina
Nada contra, nada contra quem lê as minhas merdas
Mas odeio quando estou no meio de um texto e ficam em cima
Apenas me deixem trabalhar, tem tanta coisa pra fazer e
meu único momento de paz é quando eu bato nessas teclas
Sim, o texto se tratava dela, ela jamais leria

Ela se levantou, foi na cozinha, pegou um copo de água
Bebeu, foi ao banheiro, ouvi ela mijar
Voltou pra cama e desistiu de ler minha merda
Eu ainda tinha uma garrafa de vinho cheia e
mais idéias pra um conto
em que eu falaria mal dessa vadia

Carlos Reis

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