sábado, 19 de abril de 2014

O que não deveria ser publicado #2



O ano era 2010 e
a crise econômica era mesmo
pesada
Tive que cortar meu whisky
os charutos
as cigarrilhas
Comprava salsichas ao invés
de carne ou frango
O dinheiro era contado
e mesmo assim Angélica insistia
em comprar roupas
Na C&A ou na Renner
E comer McDonalds
Ao menos três vezes na semana
Eu pagava três empréstimos
e ainda tinha mais três
cartões de crédito

Eu sempre quis dar o melhor
pra ela
Mas naquele momento eu
e ela
precisávamos dar uma segurada
Logo logo a maré passaria
e tudo voltaria ao normal
Só pedia um pouco de
compreensão naquele
momento
“Por favor Angélica,
vamos segurar um pouco
só até a poeira baixar”
“Não, o seu salário
você usa como quiser
o meu vou continuar
gastando assim”
“Tudo bem, vou passar no
mercado e comprar uma garrafa
de Natasha
E fingir que não ouvi isso
de você, como sempre faço
E espero que alguma hora
você compreenda que
Por vezes não podemos fazer
o que queremos fazer”
“Isso, bebe. Quem sabe isso resolve”

Ignorei, passei no mercado, comprei uma garrafa de vodka
e prossegui assim por ainda mais um tempo
e naquele mês de setembro
em que estava frio
Ela chegou em casa
percebi que ela estava
pálida
Ela percebeu que eu
estava bêbado
Me beijou de leve
e se sentou ao meu lado
Ouvi o estômago dela roncar
“Hey, vai jantar”
“Eu não tenho dinheiro
mas já passei fome
relaxa, sei como é”
“Mas ainda faltam
exatos onze dias
até cair seu pagamento
Vai ficar onze dias sem comer?”
“Bom, a não ser que apareça
um maldito duende
com um pote de ouro
Creio que sim”
Dei mais um gole na vodka
pura, mas com cubos de gelo
“Escute, eu comprei salsicha
Prepare um macarrão
não tem molho e nem
queijo ralado
Mas temos óleo, sal e orégano”
“Mas você comprou com o seu dinheiro
você sempre me criticou
por torrar o dinheiro
Não quero
encostar nas suas coisas”
Dei outra golada e disse
“Jamais vou deixar você
passar fome
Posso não te dar luxos
mas quando casamos eu prometi
pra mim mesmo
que nunca você passaria
fome de novo
Estaremos sempre juntos
mesmo comendo macarrão
sem molho
E que a morte (ou a bebida)
nos separe

Amém!”

Carlos Reis

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