terça-feira, 22 de abril de 2014

O Andarilho



Odiava acordar antes do meio-dia, mas infelizmente eu teria que fazer aquilo naquele dia em que eu tinha marcado dentista, pra tirar o aparelho. Após longos dois anos e meio e finalmente tiraria aquilo. Honestamente, não me incomodava, mas tudo bem. Tomei um banho, coloquei meu tênis de caminhadas, peguei o ônibus, desci na estação de Calmon Viana, peguei o trem sentido Guaianazes. Desci em Guaianazes, mais uma longa viagem sentido estação da Luz. Observava a tudo e a todos, lia Thompson (Medo e Delírio em Las Vegas), mas por vezes, de soslaio, por cima do livro, eu olhava as pessoas. Estava sentada do meu lado uma moça com uma criança de colo, e ela (a criança) ficava encostando em mim, ela (a mãe), apática, nada fazia. Simplesmente assistia a cena, por vezes dizia “Desculpa moço”, eu dava um leve aceno positivo com a cabeça, com um sorriso de leve nos lábios. Aquela viagem parecia interminável. Na luz peguei o metrô sentido Jabaquara, desci na Vila Mariana, andei cerca de cinco minutos. Fui atendido prontamente. Estava inquieto demais pra voltar pra casa, resolvi dar uma caminhada de leve.

Fui sentido à Paulista, andando. Curto andar, me faz pensar e refletir nas coisas. Eu não tenho mais religião, não me preocupo mais com as pessoas, perdi todos os meus interesses políticos, eu nem votava, só pagava a multa e ficava tranqüilo. Me mantinha desinformado, eu tentava ser alienado. Quando começava a andar assim, eu não me preocupava com rumos, direções, aonde chegar, quando chegar, o que fazer. Não. Eu simplesmente ia andando, sem pensar demais, às vezes ouvia música, às vezes ouvia a cidade com todas as pessoas gritando, os carros buzinando em semáforos, os adolescentes em frente aos cursinhos particulares falando sobre a matéria. Quando cheguei à Paulista, prossegui até o final dela. Virei sentido à Consolação, passei em frente ao Mackenzie, vi sonhos ali, sim, vi jovens sonhando... Ledo engano, tsc tsc tsc. Prossegui até a estação República, de lá peguei a Barão de Itapetininga, respirei desespero, todos procurando emprego. Jovens, velhos, bonitos ou feios, desesperados, tentando arrumar alguma coisa pra pagar a comida dos filhos, ou as noitadas de sábado. Encontrei um bom boteco, não estava muito sol, mas parei ali, pedi uma coxinha e uma cerveja Itaipava de garrafa. Paguei minha comanda e passei sentido ao viaduto do chá, atravessei a rua sem olhar para os lados, o medo é psicológico. Eu jamais seria atropelado. Segui rumo à estação da Sé, passei e peguei a Avenida Liberdade. Olhei as putas nas portas dos hotéis, na sua grande maioria feias, elas cobravam 60 pratas pelo programa (sexo oral incluso), mas eu estava satisfeito com a minha caminhada. Avistei alguns moleques fumando crack, além de velhos com garrafinhas de Corote nas mãos, tirando cochilos à uma da tarde, desmaiados no chão. Vi um sorriso em um deles, enquanto dormia “Ou está sonhando com alguma coisa boa, ou apagou de sono bebendo. Isso explica o sorriso” pensei, vi honestidade naquele sorriso podre. As putas ainda fumavam seus cigarros, me chamavam de “Gato”, eu somente acenava com a mão de forma negativa, eu não queria trepar naquele dia.

Após ter chego à estação Liberdade, passei por cima de um viaduto, não sei o nome do Viaduto, sei que ele passava por cima da vinte e três de maio. Comprei uma cerveja em lata com um senhor que tinha um isopor. Paguei às três pratas ao bom homem. Fiquei olhando a vinte e três de maio. Não era horário de pico, mas haviam carros e mais carros andando por lá. Pessoas estressadas. Poluição. Necessidade de cumprir horários e obrigações. Famílias, filhos, esposas, almoços de domingo, cinema de sábado à noite. Somente eu estava observando a angústia deles numa terça-feira às 14h. Buzinas, carros zunindo, outros apenas andando de leve pela faixa da direita. Eu fiquei ali, talagando minha cerveja e pensando na vida. “Puxa, a vida ainda me dá alguns de seus agrados” pensei. Olhei pro céu, o sol estava radiante e imponente, mal havia nuvens e eu transbordava suor, mas eu tinha uma cerveja na mão e nenhuma preocupação. Precisava de mais do que isso? Imagino que não. O segredo da felicidade é não se importar em tentar alcançar ela. É simplesmente fazer o que te der na telha, quando você quiser. Se eu quiser beber uma cerveja e ver carros às 14h de uma terça-feira, é justamente isso que eu faria. Minha latinha acabou, joguei ela no lixo, prossegui andando. Fui em direção à estação São Bento. Passei no Habib’s, comprei duas esfihas de queijo e tomei um chopp. Saí e prossegui, sem saber pra onde estava indo exatamente, sei que era uma longa avenida. Pra que, pra que se importar tanto com o destino quando a gente se perde tanto tentando chegar em algum lugar que não conhecemos? Eu segui por uma avenida, vi a estação Vergueiro, continuei subindo. Havia chego de novo na estação Paraíso, próximo à Paulista. Voltei pra estação Vila Mariana. Meu dia havia sido gasto.


Peguei o metrô e novamente o trem, dessa vez um pouco mais cheio. Ainda li muito do Thompson na viagem, vi muitas pessoas. Algumas ainda tinham brilho nos olhos, outras não. Cheguei em casa pingando de suor, abri uma cerveja, virei tudo em uma única golada, me deitei no sofá e peguei no sono.

Carlos Reis

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