quarta-feira, 30 de abril de 2014

O que não deveria ser publicado #4



- Parabéns Carlos, você está oficialmente contratado – a moça do RH me disse, com aquele sorriso amarelo nos lábios, me estendendo a mão direita após checar minha documentação.
- Obrigado! – eu disse, estendi a mão e apertei a dela, também, com um sorriso, só que mais sincero do que o dela.
- A gente te liga pra te dizer o dia que você vai começar... Falta só um documento da presidência. Mas deve ser em breve.
- Tudo bem. A minha parte está ok?
- Está sim, pode ficar tranqüilo.
- Tudo bem, obrigado – eu disse já me levantando.

Saí pela porta da frente daquela grande empresa de publicidade. Eu estava contratado, eu iria ganhar uma boa grana, eu iria trabalhar com aquilo que eu gosto. E seria fixo. As chances de que eu me aposentasse lá seriam grandes. Saí de lá um pouco indiferente. Mandei mensagem para meu pai e minha namorada avisando da novidade. Eles pareciam mais empolgados do que eu com a notícia. O que havia de errado comigo?

Peguei o trem, e pra seguir a tradição, parei no boteco mais sujo pra tomar duas cervejas. Sempre que eu arrumava um emprego foda, eu parava em algum boteco bem sujo e bebia duas cervejas, da mais barata. Parei em um bem legal. Havia os velhinhos jogando a dinheiro, uma máquina caça níquel, atendentes totalmente relaxados, moscas e ainda pra completar vi uma simpática barata no chão. Comecei a beber, desliguei a música e o celular. Era a minha tradição. Pensar, isso, pensar no que viria dali em diante. Bebendo. tremi a manhã inteira, mas depois que tudo foi resolvido pude beber, finalmente. As tremedeiras passaram. Me senti bem. Olhava o movimento na rua e bebia de forma despretensiosa. Um bom boteco sujo e solidão sempre me ajudam. Eu tentava entender alguns pontos da minha vida. Servi mais um copo e comecei a pensar.

2.

Não entendia o porquê eu não estava feliz com aquilo. Porra, eu ganharia uma boa grana, eu teria dinheiro fixo, poderia pensar em planos, em drinks mais caros, charutos, cigarrilhas, finalmente, finalmente eu teria tudo isso. Eu nunca entendi os motivos de eu não me animar com as coisas. Lembro de uma conversa que eu tive com meu terapeuta, faz mais ou menos um ano, eu acabara de ser promovido no meu antigo trabalho. Foi exatamente desse jeito.

- Porra Carlos, você foi promovido, você nem liga pra isso né? – ele me disse.
- Sim, não sei o motivo. O protocolo diz que eu tenho que ficar feliz com essas coisas. Mas sei lá, simplesmente não acontece.
- Eu sei o motivo – ele disse, dando risada e me olhando fixamente.
- Porra, então me diga.
- Carlos, sem falsa modéstia, isso pra você é fácil e previsível demais. Você sabe que um dia pode dirigir uma ação de marketing. Você sabe que o seu futuro vai ser fantástico, você sente que vai ser o foda, e quando as coisas vão acontecendo, seu subconsciente só te fala “legal isso, mas eu já sabia que isso iria acontecer”. Por exemplo, você falava que transou com Letícia, e isso te empolgou por uma semana.
- Exato. Porque todo mundo queria comer ela, mas eu comi. E isso pra mim parecia impossível.
- Sim, e seu subconsciente não sabia disso. Mas quanto a promoções, ele sabe que você vai ser genial. Você sempre foi o mais inteligente da sua escola, passou pela faculdade de forma sensacional, e na sua vida profissional, você tem sempre sucesso. Não existe nada de fracassado em você. Tudo o que está acontecendo é mera conseqüência do tempo.


Eu não queria concordar. Neguinho adora dizer que sou arrogante, que me acho demais. Juro, tento não me achar, tento ser humilde. Mas a minha questão é simples. Eu alio inteligência com velocidade e perfeccionismo. As pessoas geralmente têm uma dessas três características, e eu tenho as três. Sempre faço os três juntos. Sou o Chuck Norris da publicidade (não que eu seja o foda, só que eu não tenho medo de trabalho nenhum, inclusive deste de agora, que vai me pagar bem e será fixo, mesmo com uma pressão enorme nas minhas costas), eu estou acostumado com pressões maiores. Aos 16, arrumei uma casa pra minha namorada. Aos 18 eu casei. Sempre fui o mais novo em todas as funções em que trabalhei. Sempre as pessoas que tinham o mesmo cargo que eu eram ao menos 3 anos mais velhas. E eu sempre acabei sendo mais reconhecido do que elas. Isso gerou inveja por vezes, tentaram puxar meu tapete, mas meu trabalho era sempre impecável. Sempre perfeito e dentro do prazo. Eu tinha acabado de completar 21 quando me formei em Publicidade. Era o mais novo da sala. Parece que um futuro próspero é a simples conseqüência do tempo. Eu posso ser rico se quiser, posso ser milionário. Posso ter carros importados e casas na praia. Meu subconsciente deve estar pensando nesse momento “Você vai ser promovido logo logo”, mas eu não. Mesmo assim eu não consigo ficar feliz. Nem com empregos, nem com pessoas, nem com nada. Parece que sempre atinjo o topo das coisas rápido demais. Foi assim com as mulheres. Bastou alguns meses de estudo e eu poderia pegar qualquer mulher que eu quisesse. E por isso parei com esse “jogo da sedução”, me cansou, foi fácil demais. Na época da Letícia, eu não sabia sobre o jogo, e comer ela foi uma vitória sobre outros mil caras que queriam comer ela. Eu fui um entre mil. E isso me fez entusiasmado por uma semana. Depois me pareceu simples. Caralho, o que havia de errado comigo? Eu teria que buscar coisas novas, desafios ainda mais difíceis. Mas o que? Eu não sabia, e por isso naquela tarde em que as pessoas me davam os parabéns, eu bebia sozinho e pensava em qualquer outra coisa, menos no meu futuro trabalho.

Carlos Reis

Nenhum comentário:

Postar um comentário